Nos dias 1, 2 e 3 de maio, pudemos comprovar aquele pressentimento que tivemos em julho do ano passado, quando outros milhares se reuniram em São Paulo para assistir o David Guetta ao vivo, da Bélgica: que o Tomorrowland Brasil seria gigante. E foi.
O maior festival de música eletrônica do mundo desembarcou em Itu, no interior de São Paulo, e entre os dias 1 e 3 de maio desfilou pompa, gala e uma estrutura mastodôntica, algo de proporções inéditas para o circuito musical brasileiro. A cenografia sempre foi o grande diferencial do Tomorrowland, por isso a expectativa era grande. Mas não houve quem ficasse decepcionado (acho).
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Segundo a organização, 180 mil ingressos foram vendidos, totalizando a capacidade máxima de 60 mil pessoas por dia. Mas quem esteve lá ficou com a impressão de que havia muito muito mais gente no festival. Durante a apresentação dos headliners, o côncavo e amplo espaço do palco principal ficava absolutamente tomado, repleto de luzes piscantes, telas de celulares gravando cada segundo possível, gente dançado e pulando incansavelmente. Apesar disso, não houve relatos de grandes tumultos ou empurra-empurra (tentaram forçar essa barra por aí, mas não confere), sempre havia espaço para ir de um ponto A ao ponto B sem grandes tretas. Os palcos e bares e restaurantes e etc estavam bem espalhados pelo imenso espaço que o festival ocupou dentro da Fazenda Maeda, o que facilitou bastante a circulação da galera.
Nem precisou acabar o festival para anunciarem que o Tomorrowland se repetirá no Brasil em 2016 nos dias 21, 22, e 23 de abril.
“O investimento feito foi de longo prazo porque pensamos em continuar realizando o festival aqui, queremos continuar na Fazenda Maeda enquanto for possível e enquanto formos bem-vindos. Para os próximos anos, queremos ampliar a infraestrutura e fazer melhorias em acesso. Estamos pensando como faremos isso, além de melhorarmos a parte de comunicação, sobretudo internet e wi-fi”, explicou Mauricio Soares, vice-presidente de Marketing da ID&T e porta-voz local da organização. Aliás, esse lance da comunicação é importante. O sinal de celular funcionou legal durante o evento, porém o acesso à internet móvel, 3G ou 4G, era muito intermitente. E como quase tudo no festival é instagramável, esse tipo de melhoria tornaria a visibilidade instantânea do Tomorrowland ainda maior.
Alguns números superlativos que refletem a importância e magnitude do rolê para a cena eletrônica e de festivais do Brasil.:
– Estrangeiros de 69 países eram 30% do público. Argentinos foram a maioria, seguidos pelos chilenos e belgas
– No DreamVille, 1.890 barracas de camping foram montadas – 650 pela produção do festival
– Ao todo, 25 mil pessoas no camping (há quem fale em 30 mil)
– Uma média de 65 mil litros de cerveja vendidos por dia, quase 200 mil litros contando os três dias e uns quebrados.
Lógico que o privilégio de testemunhar e fazer parte desse momento histórico teve o seu preço. Muita gente se queixou dos valores cobrados durante o festival. Um camiseta na loja oficial do evento custava cerca de R$ 100. Um copo de cerveja R$ 11, água R$ 5,50. No camping não era possível sequer carregar o celular de graça. Um banho de quatro minutos, por exemplo, custava R$ 16.
No primeiro dia (e um pouco no segundo), o acesso ao festival foi bem complicado. Enormes congestionamentos se formaram nas rodovias de acesso da Fazenda Maeda, e teve gente esperando de três a quatros horas para colocar os pés dentro do Tomorrowland. Mas a organização e o público foram sincronizando os ponteiros ao longo dos dias e, no fim do rolê, tudo isso parecia algo distante.
Mas tudo isso é meio circunstancial, por que o que moveu multidões para a árida Itu no fim das contas foi mesmo o estrelado lineup de DJs, especialmente o dream team do EDM global formado por David Guetta, Hardwell, Afrojack, Steve Aoki, Armin Van Buuren, Steve Angello, Nicky Romero, Nervo, Yves V e tantos outros que fizeram as 12 horas diárias de sonzera do palco principal ser uma constante ebulição, uma dose surreal de energia em estado bruto, com efeito imediato: até mesmo o roqueiro mais pau no cu não consegue resistir e bate o pézinho no ritmo dos cabulosos graves e kicks, ou jogar a mão pro alto durante as melodias de airhorn. É curioso ver a influência direta do gabber holandês no EDM como o entendemos hoje e como o puts-puts pesadão do ritmo conseguiu se infiltrar e misturar com praticamente tudo que existe no cardápio eletrônico, do grime (como o Afrojack demonstrou no seu set) ao funk carioca (uma união que tem acontecido já há algum tempo nos centros urbanos do Brasil e que o David Guetta perspicasmente percebeu).
Além da overdose EDM, o resto do festival conseguia dar um ótimo panorama do cenário eletrônico brasileiro. Os sete palcos variaram os seus temas durante os três dias (exceto o principal, óbvio), e quem circulou por tudo ao longo da maratona teve uma boa ideia da pluralidade e qualidade dos circuitos que hoje estão ativos no país. Só no sábado dava para ouvir um psytrance, ou o techno do Dynamic, ou a rapaziada da Colab 011 tocando remixes do Racionais MC’s, ou ver Olivier Weiter no palco Warung, ou o arrebento que foram as curadorias de palco de Steve Aoki e Hardwell, que além de lotarem o main stage nos seus sets ainda arrastaram uma rapaziada no outro dia. Parece que o fôlego dos fãs ainda está longe de acabar.
E por isso mesmo nem precisou acabar o festival para anunciarem que o Tomorrowland se repetirá no Brasil em 2016 nos dias 21, 22, e 23 de abril. O festival tem edições anuais garantidas até 2020 também. “Essa época do ano é interessante pelas condições climáticas, já que chove menos”, explicou o Maurício Soares. “Temos uma avaliação bastante positiva do festival – mesmo essa sendo a primeira edição, tivemos êxito. Claro que existem problemas, mas conseguimos sanar quase todos que surgiram.”
Resumindo, o Tomorrowland Brasil é talvez a maior janela para enxergar como a tal nova classe média curte a vida. Mesmo em meio a crise econômica, que geralmente afeta os gastos com diversão primeiro, centenas de milhares de pessoas juntaram uma grana boa para torrar no topo do mercado de entretenimento musical mundial. E, apesar da atitude blasé e superior da imprensa brasileira com o EDM, o gênero mostrou que está plenamente estabelecido por aqui e, melhor ainda, tem gás para queimar durante algum tempo, se adaptando e se remoldando. Se levarmos em consideração que a organização do Tomorrowland, mesmo com pequenas falhas, furtos ou faltas temporárias de vodka, foi a melhor que já vimos para eventos desse porte no Brasil, essa conjuntura só tende a ficar ainda maior. No fim das contas é bonito ver o salto ornamental que a música eletrônica deu para fora do underground, se tornando hoje uma inquestionável força motriz da cultura pop mainstream.
O futuro da música eletrônica no Brasil é hoje e amanhã, e a rave dura até a cerveja acabar (ou até o limite do cartão de crédito).
*Com colaboração de Carla Castellotti