Um dos jogos mais esperados de 2019 foi lançado, na real, mais de duas décadas atrás. Resident Evil 2 chega em 25 de janeiro pra PS4, Xbox One e PC, bem em tempo de comemorar os 21 anos de lançamento do jogo original, pro primeiro PlayStation, lá em 1998.
Só que Resident Evil 2 não é uma simples versão requentada com temperos HD pras plataformas atuais de videogame (algo que já aconteceu com outros jogos da série recentemente, aliás). A produtora e desenvolvedora Capcom deixa bem claro que o jogo não é nem um remake e prefere chamá-lo de uma “reimaginação” do game original.
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A nova versão de Resident Evil 2 foi desenvolvido do zero, desde 2015, no mesmo motor gráfico do Resident Evil 7, a RE Engine (que não são as iniciais de “Resident Evil”, como muitos podem pensar, e sim de Reach for the Moon).
Com a demo “1-Shot”, muitos fãs puderam notar que não só o visual, mas também todos os aspectos do game foram revistos e ampliados, da história até o jeito de jogar.
Tanto esforço da Capcom não é pra menos, já que o Resident Evil 2 original realmente marcou época. Ele foi um dos jogos responsáveis pela popularização do PlayStation, vendendo 4,96 milhões de cópias só no console da Sony, segundo dados da Capcom.
Hoje, Resident Evil 2 é o sexto jogo mais vendido entre todos os jogos da empresa (e olha que são muitos) e fez do terror survival uma fórmula de sucesso nos games, popularizando de vez a ideia iniciada com o primeiro jogo.
Um bom exemplo da popularidade de Resident Evil 2 até hoje é quantos jogos feitos por fãs existem por aí. Tem modificações de Dying Light e Half-Life que recriam partes do jogo, além de projetos ambiciosos como Resident Evil 2: Survivors, Resident Evil 2: Mortal Night e Resident Evil 2 Reborn — este último era um dos mais promissores, com gráficos e jogabilidades mais modernos, mas que foi cancelado após o anúncio da nova versão oficial do jogo.
Para entender melhor a importância e influência de Resident Evil 2 e até pra sacar o porquê de tanto hype com a nova versão, a gente foi bater um papo com alguns fãs da série.
Monique Alves é criadora do site e do canal do YouTube Resident Evil Database. Quando jogou Resident Evil 2 original pela primeira vez, ela já era a “louca do Resident Evil”, como mesmo se denomina. Monique fala que a popularidade do segundo jogo veio por ele ter sido uma porta de entrada da série pra muita gente.
“Muitas pessoas começaram a jogar Resident Evil pelo 2, porque ele tinha um visual e mecânicas de jogo melhores [que o primeiro]”, comenta. “Ele também tem um foco muito grande na narrativa, porque a história foi escrita por um novelista japonês, algo que o primeiro jogo não teve.”
O novelista, no caso, é Noboru Sugimura, que foi roteirista de séries de TV no Japão, chegando a escrever episódios do herói Black Kamen Rider, que fez sucesso no Brasil nos anos 90, além do Super Sentai Zyuranger, que serviu de base pra primeira temporada dos Power Rangers aqui no ocidente. Depois de Resident Evil 2, ele também escreveu a história de outros jogos produzidos pela Capcom, como Onimusha.
Noboru Sugimura infelizmente não está envolvido com a nova versão do game, já que ele faleceu em 2005, mas seu trabalho no Resident Evil 2 original é louvável, fora que ele deve ter tido um trampo pra montar essa história. É só lembrar que o jogo vinha em dois CDs pra PlayStation 1, que na banquinha de jogos do centro da minha cidade eram conhecidos como “CD do Homem (Leon)” e “CD da Mulher (Claire)”.
Ao todo eram quatro linhas de história, cada uma pela visão dos dois protagonistas (Leon cenário A, Claire cenário B e Claire cenário A, Leon cenário B). Uma das reimaginações do novo Resident Evil 2, aliás, tem a ver com a mudança nessa estrutura, ao contar só com duas campanhas, uma com Leon e outra com Claire.
O produtor do novo Resident Evil 2, Yoshiaki Hirabayashi (o mesmo que estava com a camiseta escrito “We Do It” no já famigerado vídeo de revelação do jogo) disse ao site Rely On Horror que eles juntaram momentos dos dois cenários em cada campanha dos personagens.
“Eu acho que os jogadores hoje querem esse tipo de experiência de história mais profunda e intensa. Se alongar isso por quatro cenários o enredo acaba se enfraquecendo e criando um senso de repetição por ter que volta ao jogo muitas vezes pra poder acompanhar tudo. Por essa razão nós escolhemos duas campanhas que ainda mostra todos os eventos da história do personagem, em vez de ter tudo dividido.”
O sucesso de Resident Evil 2 original fez o jogo ganhar versões pra outros videogames: Dreamcast, Nintendo 64, GameCube e até pra um obscuro videogame portátil chamado Game.com. Hoje em dia, todas essas versões são bem difíceis de achar e, lógico, caríssimas.
Em uma rápida passada nas lojas de games retrô da Santa Efigênia, no Centro de São Paulo, é possível encontrar umas duas cópias de Resident Evil 2 pra Nintendo 64, sem caixa nem nada, por uma média de R$ 200.
Também dá pra achar uma cópia usada da versão de GameCube, com a capa e manual conservados. O preço? R$ 280, bem mais caro do que a adquirir o novo Resident Evil 2 na pré-venda.
Mesmo no Mercado Livre não dá pra achar cópias com o valor mais em conta. A forma mais acessível e barata pra jogar o game original atualmente é com a versão digital disponível na PlayStation Store e compatível com PlayStation 3 e PS Vita.
Por isso, o novo Resident Evil 2 também se torna importante como uma forma de preservação do game, mesmo com suas alterações, o que justifica parte do hype que o jogo está recebendo.
Para fãs como Ricardo Andretto, o lançamento do novo Resident Evil 2 também é a chance de reviver o jogo de uma forma única: “O jogo vai ser o primeiro título a utilizar a RE Engine com o potencial que a maior parte dos fãs tem interesse em experimentar.”
Andretto é criador do REVIL, um dos sites especializados em Resident Evil mais antigos e conhecidos por aqui. “Estamos vendo um jogo que aposta em câmera em terceira pessoa novamente [como em Resident Evil 4], com visão sobre o ombro e gráficos fotorealísticos”, comenta.
Para ele, a proposta de uma reimaginação e não um simples remake é a mais acertada pra Resident Evil 2, por dar mais liberdade aos criadores. “O que me chama bastante a atenção é que a Capcom está dando valor aos detalhes do beta Resident Evil 1.5, muito cultuado entre os fãs. E confesso que isso também me empolga MUITO, já que os jogadores terão a possibilidade de visitar novas áreas, ter novas experiências.”
O Resident Evil 1.5 citado por Ricardo é o protótipo de Resident Evil 2, que é muito comentado e adorado pelos fãs. Essa versão estava quase completa, mas acabou cancelada por não agradar os executivos da Capcom na época.
Uma das principais diferenças do protótipo pra versão final era a presença de uma protagonista feminina diferente, uma piloto de moto chamada Elza Walker. Na reimaginação de Resident Evil 2, ela será homenageada com uma roupa alternativa pra Claire, que vem de brinde pra quem compra a versão deluxe do jogo.
Os desenvolvedores também estão resgatando outras ideias que estavam no Resident Evil 1.5, como a participação maior do policial Marvin na história. No Resident Evil 2 original ele fazia uma breve aparição, mas agora ganhou muito mais importância e auxilia Leon em sua campanha, como estava originalmente planejado no protótipo descartado.
Enquanto fãs como Ricardo estão mais do que empolgados com o novo Resident Evil 2, a Monique do Resident Evil Database estava um pouco cética com o projeto, pelo menos no começo, por não achar que Resident Evil 2 precisasse de um remake.
“O remake do primeiro Resident Evil [lançado em 2002 pra GameCube] foi feito pelo mesmo diretor do original, o Shinji Mikami, e ele fez porque não tinha conseguido lançar o jogo que ele queria na época do PlayStation, por causa das limitações técnicas. Já nesse novo Resident Evil 2, os principais responsáveis pelo jogo já saíram. Então, eu fiquei um pouco preocupada de uma nova equipe assumir e acabar prejudicando um jogo que já é bom.”
O produtor do segundo jogo, Shinji Mikaki, e o diretor Hideki Kamiya (que hoje também é conhecido por ter criado Devil May Cry e Bayonetta) realmente não estão envolvidos no projeto, mas outros membros do time original estão, como o diretor Yasuhiro Anpo, que foi programador dos dois primeiros jogos.
Na real, o próprio Kamiya deu às bênçãos pra nova versão, como ele mesmo falou à Polygon (em inglês) pouco tempo depois que o jogo foi revelado.
Mesmo com um pé atrás, Monique gostou do que jogou de Resident Evil 2. “O jogo tá bem feito, há bastante cuidado com referências ao clássico, respeito à história… Eu só tenho um pouco de medo com os retcons, do tipo de mudarem fatos que podem afetar os próximos jogos e aí criar incoerências. Mas, do que eu tô vendo, o jogo tá bem bonito, dá pra perceber que eles estão tendo esse cuidado de preservar a memória dos personagens.”
Quando Resident Evil 2 foi lançado originalmente ele tinha a proposta que toda continuação tem: ser maior e melhor que o jogo anterior. Ele conseguiu cumprir as expectativas de forma como poucos jogos fazem e ainda ter um impacto cultural que pode ser sentida até hoje.
“Resident Evil em si trouxe de volta o zumbi como uma ameaça e não com uma galhofa”, explica Monique. “O bicho tá podre, ele te morde, te infecta e você vira zumbi também. Então, isso foi importante porque abriu portas, lá atrás, pra, por exemplo, The Walking Dead ser o sucesso que é hoje.”
Por toda essa importância cultura, não deve ser nem um pouco fácil reinventar um clássico desses, tanto que demorou todos esses anos pra Capcom ter coragem de mexer em Resident Evil 2 de novo. O mais surpreendente é que a nova versão não só parece está conseguindo preservar a memória do original, como está adaptando os aspectos de terror e survival horror pra realmente dar aquele cagaço com o controle em mãos. Ainda bem.
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