Essa matéria foi originalmente publicada no i-D
Ninguém que cresceu nos anos 90 sabia como a década seria adorada por quem está crescendo vinte anos depois. Ninguém pensava: “Ei, daqui a duas décadas, aposto que todo mundo vai usar jeans e camisas de flanela, e falar de Patricinhas de Beverly Hills e Kids“. Ninguém sabia quanta nostalgia a mera visão de uma camiseta do TLC poderia causar. O que nós não sabíamos naquela época, inclusive — o que jamais poderiamos saber — é com que potência estariamos curtindo as ondas nostálgicas dos anos noventa em pleno 2016.
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O mesmo acontece com a fotógrafa Lisa Leone. Ela estava precisamente no meio daquela era, fotografando artistas que definiriam a década como Nas,The Fugees, House of Pain e Snoop Dogg, no entanto ela não fazia ideia de como suas fotografias seriam importantes como cápsulas do tempo algumas décadas mais tarde. Em seu livro de fotografias Here I Am ela junta algumas dessas fotos, capturando os rostos que agora resumem a era de ouro do hip-hop. Eu liguei para Leone para conversar sobre como foi presenciar a genialidade de Nas em primeira mão, a energia de Nova York nos anos noventa e como foi trabalhar com o lendário Stanley Kubrick em seu último filme, De Olhos Bem Fechados.
VICE: Lá no começo dos anos noventa, você fotografava artistas como Nas e o Snoop Dogg. Na época, havia algo específico nesses artistas que você queria capturar?
Lisa Leone: Eu acho que quando você está em uma época, não percebe como ela é importante. Você só vai meio que, ei, isso aqui é maneiro! Nas sessões do Illmatic [com Nas] definitivamente havia uma vibe no estúdio de que algo especial estava acontecendo. Você podia ver enquanto Nas gravava, era algo tipo, “nossa, algo especial está acontecendo”. Ele tinha 19 anos na época.
Você era fã do Nas na época?
Bem, ninguém sabia quem era o Nas, porque [Illmatic] era seu primeiro disco. Então eu não era uma fã ainda. Cresci sendo uma B-girl, com o Rock Steady e Fabel — então eu já estava envolvida com o hip-hop antes de ele conquistar o mundo, acho. Era mais como uma comunidade naquela época, todo mundo se conhecia, não era tão protegido, era muito aberto para o fluxo criativo tipo, “ei, o que você está fazendo? Tem um estúdio, tem um set de vídeo, você pode fazer isso, você pode fazer aquilo?” Existia uma empolgação com o que estava acontecendo.
Então você estava com o Nas no estúdio durante a gravação de Illmatic. Como foi a experiência?
Você conseguia sentir que algo mágico estava acontecendo. Era o processo comum de estúdio onde as pessoas estão tentando deixar tudo certo, mas quando ele estava naqueles momentos no microfone, todo mundo ficava quieto, tipo, nossa, isso é insano. Algo estava acontecendo e as pessoas sacaram na hora.
Ele falou muita coisa pra você?
Eu estava lá durante um dia e lembro de ter uma conversa com ele sobre a gravadora ou algo assim. Porque ele era tão novo, eu lembro dele falando algo tipo: “Faça o que você quer fazer, não deixe ninguém falar o que [você deve] fazer…”. Não que ele deixasse alguém lhe dizer o que fazer, mas como eu era mais velha, o sentimento era de ver esse artista e querer que ele fizesse o seu próprio trabalho sem ser direcionado. Na situação de estúdio, eu estava tirando fotos e às vezes conversávamos um pouco, mas eles estavam trabalhando e levando tudo a sério.
Você precisa lembrar, naquela época não haviam telefones, não tinha foto digital, era tudo filme, não haviam outras câmeras, então era só uma pessoa com uma pequena Leica. Agora seriam dez pessoas com iPhones e fotografia constante, sabe. Era muito diferente naquela época.
Os artistas com quem você trabalhou tinham suas próprias ideias de como deveriam ser retratados?
Não. As pessoas eram bem menos ligadas à imagem na época, eu acho que porque não existiam as midias sociais, era tudo mais orgânico por ser em filme, você não podia ver a foto [que acabara de clicar]. Esse sentimento não tinha nascido ainda. Claro, Grandmaster Flash and the Furious Five tinham ideias de como se vestir e que imagem eles queriam passar, mas isso é diferente.
Me conte sobre a foto com The Fugees no topo de prédio.
Estávamos todos lá em cima, e atrás de mim tinham 25 pessoas correndo no topo do prédio. Estávamos lá filmando o clip de ” Vocab” e houve um momento no qual estava tudo quieto e eu capturei esse momento. Essa é outra coisa diferente entre fotografia digital e filme: com filme, não é tirar foto de cada segundo e depois ver o que você tem. É mais estar no espaço e sentir o que está acontecendo naquele momento e tentar fazer parte daquilo e capturar.
Clipes e filmes eram uma influência no seu trabalho naquela época?
Naquele ponto minhas influências eram fotógrafos como Arnold Newman, Cartier-Bresson. Eu estava muito interessada em reportagem, fotografia de rua e o trabalho que Arnold Newman estava fazendo ao fotografar artistas. Videoclipes eram tão novos na época que eles não eram uma influência, porque eu acho que estávamos começando a fazê-los ser uma referência. Mas mais tarde, o cinema virou uma grande influência para mim.
Seu livro Here I Am junta essas imagens. Olhando em retrospecto, como você se sente sobre aquela época?
É meio inacreditável. Eu esqueci de muitas fotos que eu tirei — o fato de estar nas sessões do Illmatic. Eu tinha esquecido disso!
Isso é maluco.
Eu estava com um amigo que é mais novo que eu, e um nerd de hip-hop — e eu estava tipo, deixa eu ver o que eu tenho. E estava olhando por cima do meu ombro e ficou tipo, você está me zoando?! Que fotos são essas? O QUE? E eu estava tipo, “nossa eu esqueci disso”. Ver as fotos de novo, vem com muita coisa — memórias daquela época, a energia de Nova York — essa nostalgia que não existe mais na cidade. Sabe? São 20 anos depois e estou escaneando essas fotos no estúdio de um amigo.
Hoje você é uma cineasta também, não é?
Basicamente eu comecei a filmar clipes de música e então fui trabalhar com Stanley Kubrick durante quatro anos em De Olhos bem Fechados, eu parei de fazer clipes. Depois eu voltei depois, os videoclipes eram completamente diferentes; do nada os orçamentos estavam em dois milhões de dólares. (Quando eu fazia clipes, fiz um do TLC com duzentos e cinquenta mil e era um orçamento imenso). Então depois de trabalhar com Stanley eu comecei a dirigir. E desde então tenho feito filmes independentes, documentários e assim por diante.
E como era o Kubrick?
Ele era ótimo. Eu comecei fazendo pesquisa e então eu fui lá e comecei a ser decoradora de set, fiz todos esses testes de luz e filme em Nova York. Se você estava dentro, se você realmente se preocupava com o que estava fazendo ele era muito aberto e generoso e tudo mais. Então ficamos bem próximos. Quando você está trabalhando em um filme do Kubrick é como um filme de estudantes: tem tipo seis pessoas trabalhando no filme! Então fica bem íntimo. Ele era incrível, muito generoso, e você pode imaginar o quanto eu aprendi.