Arte: Ben Ruby
Este post foi originalmente publicado no THUMP Canadá.
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Debruçada sobre um laptop numa balada no centro de Toronto, em uma noite terrivelmente fria de janeiro, Bambii pegou de surpresa a pista lotada. A DJ estava abrindo para a Princess Nokia — uma rapper nova-iorquina de origem porto-riquenha que vem estourando — e durante a maior parte do seu set, tinha tocado Sean Paul, faixas de soca e um pouco de Drake, como é de praxe, mas uma seleção em particular me arrepiou os cabelos. Entre hits do Caribana e edits de faixas badaladas de hip-hop, ouvi um sussurro familiar ecoar pelos alto-falantes: “Let the bodies hit the floor. Let the bodies hit the floor…”
Eram, é claro, os acordes iniciais do hit nu-metal “Bodies”, do Drowning Pool, e fui imediata e desorientadoramente transportado de volta para os dias gloriosos do começo dos anos 2000. Como muitos instantes em sets incríveis, causou o choque inesperado de ouvir algo familiar em um contexto totalmente inusitado. Mas alguma coisa nesta escolha era diferente — me senti como um moleque de 16 anos de novo, espinhento e fã da revista MAD. O uso hábil de Bambii da faixa de 2001 — que foi infamemente tocada à exaustão por torturadores na Baía de Guantánamo alguns anos depois do seu lançamento — é o exemplo mais recente de como os DJs têm resgatado o rock alternativo e o nu-metal do início dos anos 2000 para agitar seus sets. Mas agora parece que esta tendência está mais forte do que nunca.
Durante uma festa nostálgica do Boiler Room no Museu de Arte Moderna de Nova York, no ano passado, o rapper e produtor Le1f tocou “In The End”, do Linkin Park — outro clássico da minha adolescência — no meio do seu set, com sucesso. E, na apresentação do selo PC Music no SXSW 2014, a produtora e DJ londrina Spinee acelerou e transformou o hino gótico “Bring Me to Life”, do Evanescence, em um rave-pop chiclete. Descrevendo a reação positiva do público à faixa, Spencer Kornhaber, da revista The Atlantic, escreveu: “Aqui estávamos nós, neste festival supostamente dedicado às coisas mais descoladas da música, em uma noite dedicada a um dos coletivos mais comentados nos blogs no ano passado, onde a música menos descolada da Terra foi transformada numa faixa fundamental”.
Essas reinvenções não se limitaram às pistas. Em dezembro de 2015, o DJ e produtor Total Freedom (vulgo Ashland Mines), de Miami, postou “DOWN ACTIONS, LOW KEY CHILDISH AF” no seu Soundcloud, um edit frenético que misturava uma versão à capela de “All The Way Down”, da cantora etíope-americana Kelela, com funk carioca e o piano de “In The End”. Embora não tenha sido a primeira vez que o Mines fez uma mistura inusitada de artistas, a faixa rapidamente ganhou milhares de plays. A sua sócia no selo Fade to Mind, Asmara — mais conhecida como metade da dupla de música eletrônica Nguzunguzu, de Los Angeles — também usou “In The End” no seu mix nu-metal para o Dazed, além de faixas do System of a Down, Korn e P.O.D.
Outro single do Linkin Park, a explosiva “Crawling”, apareceu no mix do produtor e DJ londrino Endgame para a revista FACT, através do edit do Lotic feito pelo Age Reform. Em outras paragens, o bootleg de “Bring Me to Life” do produtor Skyshaker, do Qween Beat, deu ao hit do Evanescence, vencedor de um Grammy, um clima mais sombrio e diabólico. O que todas essas produções têm em comum é que, em teoria, seriam um desastre completo, mashups apelativos menores do que a soma de suas partes. Em vez disso, explorando a vulnerabilidade emocional crua dessas faixas e dando a elas uma nova roupagem, esses artistas conseguiram criar músicas que soam simultaneamente antigas e atuais. Esses edits são trocados como cards de Pokémon entre seus criadores, e encontraram um público nostálgico entre críticos e fãs do mundo inteiro.
Uma década e meia antes da Amy Lee substituir a Aaliyah como a cantora à capela da vez para os artistas de SoundCloud, eu era um adolescente na zona rura da Nova Escócia e ouvia rock alternativo e nu-metal de qualidade questionável. Enquanto absorvia avidamente a coleção de discos do meu pai, minhas prateleiras também acomodavam coisas mais mal-humoradas, de bandas como Three Days Grace, Puddle of Mudd e a trilha sonora de Demolidor, que além de “Bring Me to Life”, tinha “The Man Without Fear”, uma parceria do The Drowning Pool com o Rob Zombie. No topo da pilha ficava uma cópia baixada do disco de estreia do Linkin Park, Hybrid Theory, de 2000, com a lista de faixas escrita com canetinha, e o álbum seguinte da banda, o vencedor de quatro discos de platina Meteora, de 2003.
Eu não conseguia me identificar com as letras do Chester Bennington sobre abuso de drogas adolescente e o divórcio dos pais dele, mas como alguém que frequentemente tinha dificuldade em fazer amigos, conseguia me relacionar com os temas de relações fracassadas e solidão. Embora faixas como “Faint” e “Somewhere I Belong” fossem clássicos das minhas playlists em viagens pelo país, nunca as ouvi na rádio local ou nas festas do colégio (a galera ouvia mais coisas como “Save a Horse (Ride a Cowboy)“). A soturna “In The End” parecia mais adequada para se ouvir sozinho no quarto, e eu teria achado desorientador escutar essa faixa em grupo. Mal sabia eu que essas bandas que eu idolatrava planejavam misturar gêneros desde o começo.
“Hip hop era o que eu mais ouvia na minha adolescência, mas depois começamos a escutar artistas como Prodigy, Aphex Twin, Squarepusher, DJ Shadow e o jungle e o drum and bass que estavam fazendo sucesso na época”, conta o guitarrista, tecladista e co-vocalista Mike Shinoda sobre os primórdios do Linkin Park. “Eu também adorava Depeche Mode, Ministry, Nine Inch Nails, Deftones e música industrial. Parte do nosso objetivo, desde o começo, era misturar tudo isso, daí o nome do disco, Hybrid Theory.”
Embora o sexteto californiano tenho feito parcerias com artistas dos dois gêneros — incluindo o Jay Z, no EP Collison Course, de 2004 (que tinha um mashup de “In The End” com “Izzo (H.O.V.A.)”, do rapper novaiorquino), e o cabeça da Dim Mak, Steve Aoki, em“A Light That Never Comes”, de 2013 — a banda estava longe de ser considerada descolada. Em uma resenha do seu disco de estreia para a Rolling Stone, Matt Diehl escreveu: “Bennington e Shinoda frequentemente resvalam para o brega e para uma agressividade clichê nas suas letras”, e William Ruhlmann, do AllMusic, os descreveu como “retardatários de um estilo musical já manjado”. Apesar de não serem vistos como inovadores ou “descolados” pelos jornalistas, os caras do Linkin Park eram amados pelos milhares de adolescentes do mundo inteiro que participavam do seu fã clube oficial, o Linkin Park Underground.
Então como chegamos até aqui? Como essa música que era considerada tosca está em voga agora, nas mãos de produtores ousados? Alguns artistas a usaram com ironia. Por exemplo, o Maxo, cujo mix para a LOGO Magazine, de 2016, misturava oito músicas dos enfants terribles do nu-metal, o Limp Bizkit, em 20 minutos hiperativos. Nas versões dele, as letras machistas e frequentemente misóginas do Fred Durst são atenuadas com sons 16-bit e um piano jazz suave, e todas as faixas ganham nomes relacionados à comida (“Bake Stuff”, “Rolin’ Pin”, “I Did It All for the Cookie” etc). Outra versão espirituosa é o mix de 23 minutos do Spinee com o Lil Data e o DJ Warlord. Maravilhosamente intitulado “‘Hell On Planet Earth, We Are the Masters’, Says Ministry of Souls” [em tradução livre, algo como “‘Inferno no Planeta Terra, Nós Somos os Mestres’, Diz Ministério das Almas”], o mix infla a balada de fim de namoro “Call Me When You’re Sober”, do Evanescence, de 2006, com várias bombeadas de hélio.
“Essa fascinação parece muito mais uma grande piada interna do que uma redescoberta consciente”, afirma Maxo. “A maioria dos produtores desta geração cresceu ouvindo essas músicas, e mesmo que as letras não fossem relevantes, tenho certeza de que nossa adoração por elas se manteve intacta.”
Mas seja a intenção irônica ou não, o efeito ainda é o mesmo quando você ouve uma música dessas na pista lotada. Gabriel Szatan, um antigo programador do Boiler Room e apresentador da Radar Radio, diz que não tem visto tanto rock alternativo e nu-metal nos shows que ele edita, mas que certas cenas parecem ter adotado os gêneros isoladamente, com pouco impacto. “De modo geral, não é muito proeminente”, ele diz. “Mas a tendência atual de pegar o público de surpresa — especialmente entre a vanguarda, o Staycore, NON, Total Freedom e acólitos — mostra que isso acontece, sim, de tempos em tempos. Eu diria que é mais fácil fazer isso em uma série de mixes do que em um Boiler Room lotado, a menos que você tenha o público ideal”.
Seja a mistura rápida de funk carioca com “Bring Me to Life” do LSDXOXO — intitulada “Aquecimento do Evanescence”, foi o único lançamento do produtor novaiorquino —, a versão escorregadia de “Call Me When You’re Sober” da DJ Nate, estrela do footwork de Chicago, ou o edit acelerado de “Let the Bodies Hit the Floor” do DJ Sega, um veterano dos clubes da Filadélfia, no fim das contas, o que importa é a descarga de dopamina que você tem quando ouve uma música familiar em um contexto novo. “O seu cérebro fica tipo: ‘Ah, eu lembro disso’, e todas as memórias começam a voltar”, Szatan continua. “Enquanto o seu corpo começa a se mexer involuntariamente.”
Segundo o Endgame, cuja faixa industrial “NXN” (do seu EP Savage, de 2016) faz referência à guitarra-solo da introdução de “Falling Away from Me”, do Korn, os gêneros têm um número surpreendente de similaridades. “A sua função é essencialmente a mesma, fazer você se jogar na música, uma espécie de transcendência”, diz o cofundador do coletivo Bala Club. “Especialmente no nu-metal, acho que é o equilíbrio entre leveza e escuridão, com vocais penetrantes e um baixo pesado”.
Szatan concorda e aponta um público sedento por drama como potencial motivo para a popularidade do revival. “Quem sabe se o ressurgimento do house e do techno crus nos últimos sei lá quantos anos talvez não indique que as pessoas estão querendo de novo um pouco de drama?”, ele supõe. “As cicatrizes do dubstep ainda são muito recentes, então foda-se, por que não o nu-metal?”.
Endgame acrescenta que a “estética e energia emocional/brutal” de Jonathan Davis e companhia — incluindo a arte feita pelo criador do Spawn, Todd McFarlane, para o terceiro disco da banda, Follow the Leader — foi uma enorme influência para os membros do seu coletivo. Eles podem não usar pintura facial ou escrever seus nomes com as letras ao contrário, mas ainda estão sofrendo influência direta de bandas frequentemente menosprezadas. O mix que o Kamixlo fez para o Dazed começa com um cover breve e mecânico do Uli K e do Malibu para “Always”, dos roqueiros do Saliva, de Memphis, que amplifica o tema da original — o medo de estar apaixonado — enquanto o edit pulverizante da sueca Toxe para “Psychosocial”, do Slipknot, tem exatamente o mesmo peso da original.
Com o passar dos anos, deixei a rebeldia adolescente do meu porta-CDs de rock alternativo e nu-metal para trás. Mas, na brutalidade emotiva de artistas como Toxe e Total Freedom, encontrei algo parecido. A sua teatralidade sombria e interpretações simples de emoções complexas têm uma origem em comum com Korn e companhia, então não surpreende que eles tenham arranjado um jeito de recontextualizar as suas músicas em seus próprios sets e produções.
Essas bandas americanas — muitas das quais ainda lançam discos até hoje — eram predominantemente masculinas e brancas, então é empolgante ouvi-las em novas interpretações e vê-las desempenhar o mesmo papel que tiveram na minha vida para uma nova geração. Me identifiquei muito com o que Toxe, de 19 anos, disse ao The FADER sobre o seu remix de “Psychosocial”. “É a minha música de formatura”, ela disse em uma entrevista de 2016. “Enquanto faço os exames finais, nesses últimos meses de ensino médio, tenho remixado Slipknot à noite para colocar minha frustração para fora”.
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Tradução: Fernanda Botta