Rodrigo Rodrigues, o Sheik do Facebook

Foto por Felipe Larozza

Estendo a mão para cumprimentar o meu entrevistado ao mesmo tempo em que pergunto se posso fazer isso. Com a mão direita no peito, ele faz um sinal com a cabeça e educadamente me diz que não. Depois, explica que os muçulmanos não tocam em mulheres que não façam parte de suas famílias. Estamos na Mesquita do Pari, na cidade de São Paulo. Cercada por muçulmanos e mulheres cobertas com véus, questiono se minha roupa é apropriada para a ocasião e me incomodo com parte da camisa branca que uso, teimando em revelar um pedaço do meu colo. Sentada em um sofá de couro marrom, começo a entrevista com o sheik brasileiro Rodrigo Rodrigues, que conheci depois de assistir aos vídeos em formato de “selfie” que ele posta no Facebook.

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Rodrigo é moderno, usa uma gíria ou outra e confessa que outro dia foi chamado de “coxinha”, mas nem sabe o que isso significa. Conta que troca mensagens pelo WhatsApp com seus antigos professores do Oriente Médio e que conversa abertamente com seus jovens alunos brasileiros – ele é professor de religião numa escola particular islâmica  – sobre namoro e sexo. “Se não falar agora, vai falar quando?”, indaga.

Pergunto como é lidar com adolescentes e questões como sexualidade, aborto e drogas. Ele ri e conta que outro dia uma professora o chamou de “coxinha”. “O que quer dizer coxinha em São Paulo? Tem a ver com ser de direita, retrógrado? Disseram ‘o sheik tá muito coxinha’”. Explico que é ser careta, conservador, leitor da Veja. Ele ri. “Como religioso, sou contra aborto, legalização de drogas e casamento homoafetivo. O que não quer dizer que a gente deva ser contra. Existe direito dos dois lados. Um lado não pode dizer que o outro está errado. Mas, nesse caso, sou ‘coxinha’.”

Foto por Felipe Larozza

O Islã diz que a relação sexual só pode acontecer depois do casamento. Os jovens também não podem namorar, mas namoram. E a molecada, em plena efervescência de hormônios, questiona sem dó o professor. Dúvidas como “Sheik, eu gosto da mina. Não posso beijar?” são recorrentes. “Não é que não pode. Pode. Mas não é certo”, ele responde. Damos risada. “Eu sei que não dá pra segurar, mas precisa aguentar. Tenho que acalmar a gurizada um pouco”, confessa.

Em seu perfil pessoal no Facebook, os vídeos que Rodrigo posta fazem sucesso. São todos curtos, com mais ou menos um minuto, e gravados com um iPhone. Misturando português e árabe, ele transmite mensagens religiosas que ganham elogios e compartilhamentos dos seguidores. O jargão “Com vocês, sheik Rodrigo”, com o qual inicia os vídeos, rende até piadinhas entre seus alunos mais novos. “Eles curtem, eles zoam.”

Os pais dos estudantes também o procuram com questões da modernidade, preocupados com filmes pornográficos no celular dos filhos. “Costumo falar para os jovens que algumas coisas são da nossa natureza. Não podemos fazer tudo o que queremos, mas também não podemos deixar de fazer o que queremos. Procuro mediar a religião e a vida que a gurizada vive.”

Rodrigo (de branco) ainda jovem, quando estudava no Líbano. Foto: reprodução/Facebook

Aos 37 anos, Rodrigo revela que travou uma longa batalha para virar muçulmano. Nascido em uma família católica pouco praticante de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, teve os primeiros contatos com a religião graças à Guerra do Golfo quando ainda era um “guri que mal sabia a diferença entre árabes e muçulmanos”. Deixou de lado as músicas do Balão Mágico e os Thundercats para devorar o Alcorão. Por associação, começou a aprender sozinho o idioma árabe. Volta e meia pedia para que os poucos mouros do comércio local porto-alegrense lhe ensinassem algo sobre a religião, mas era sempre enxotado. Os pais achavam que a onda era “fogo de palha”, que ia passar. “Até hoje minha família acha que não é sério”, comenta, aos risos. Em 1992, quando avistou estudantes senegaleses na PUC de Porto Alegre, se apresentou como muçulmano. Ali, ganhou um tapete de oração e aprendeu mais coisas sobre o Islã. “Na escola, me chamavam de Saddam. Até os professores.”

Fazendo pose para a foto (agachado, no centro) nos tempos de Exército. Foto: reprodução/Facebook

Prestes a completar a maioridade, ingressou no Exército, onde passou cinco anos. Quando tinha folga e tirava férias, corria a São Paulo, onde se encontrava com sheiks da capital para conversar, rezar, estudar e receber orientação. Depois de tanto demonstrar interesse pelo islamismo, conseguiu apoio dos religiosos para estudar no Líbano. Foi como bolsista aprender árabe em uma instituição islâmica “pouco ortodoxa”. Aluno contestador, acabou transferido para o Qatar; logo o fatídico 11 de setembro eclodiu. Preocupados com os jovens que supostamente poderiam se aliar ao Talibã no Afeganistão, os professores (e uma pressãozinha dos EUA) fizeram Rodrigo voltar ao Líbano, onde ele concluiu os estudos. De volta ao Brasil, ele se apaixonou por Patrícia, com quem é casado até hoje e tem três filhos, dois meninos e uma menina.

Atualmente, Rodrigo Rodrigues é professor de religião na Escola Islâmica Brasileira, localizada na Zona Leste de São Paulo, e sheik na Mesquita do Pari. Pergunto o que faz, exatamente, um sheik. “É ele quem orienta as orações, ensina a religião, faz palestras. Ele é porta-voz da religião dentro da sua comunidade, além de ser um exemplo como modelo de muçulmano. O papel do sheik é também de escutar as pessoas.” Neste ano, Rodrigo se propôs um novo desafio: vai fazer prova no Enem para estudar psicologia ou assistência social. “Isso vai me ajudar muito a entender o ser humano. As pessoas procuram o sheik querendo respostas religiosas para problemas pessoais”, relata.

Pergunto sua opinião sobre o Estado Islâmico, manchete constante nos jornais do mundo todo. “Sou totalmente contrário às atitudes bárbaras que este tal Estado está fazendo. Porém, temos poucas informações sobre quem são eles. Só sabemos que estão tomando poder rapidamente e com completa violência. Reivindicam um Estado Islâmico, mas pelas atitudes dá pra ver que os interesses são outros.”

Mas, nos vídeos, o religioso gosta de falar sobre o que está lendo no momento – inclusive, aproveita o tempo livre durante o recreio dos estudantes para gravar os vídeos. “Falo as coisas que eu gostaria de escutar em português na minha época de jovem, mas não tinha ninguém pra me dizer, me responder, me ensinar. Algo que não é pra ser ‘religioso chato’, mas pra servir de exemplo pra vida”, frisa.

Fotos e gif por Felipe Larozza

Antes de nos despedirmos, o relógio anuncia as 18h. Hora de oração na mesquita. A parte debaixo é dedicada aos homens, que tiram os sapatos antes de pisar no carpete – assim como as mulheres, que oram separadas, na parte de cima do prédio.

Para Rodrigo, não é a religião que deve se adaptar à vida moderna, mas, sim, a pregação. “O Islã não mudou. O que é errado é errado até o dia do juízo final. Agora, a maneira como iremos expor e transmitir essas ideias tem que ser mudada.”

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