Saí de rolê com um dos maiores chefões de gangue da Austrália

Matéria originalmente publicada na VICE Austrália.

Antes de ser assassinado na frente de casa por um associado em novembro de 2016, Pasquale Barbaro era uma das figuras mais controversas do submundo da Austrália. Segundo o jornalista criminal Keith Moore, “Barbaro era um membro da notória e poderosa máfia calabresa” – e considerado o maior traficante de drogas de Sydney.

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Na época de sua morte, Barbaro era conhecido por “se misturar com bikies, pesos-pesados de gangues do Oriente Médio e vários traficantes de diferentes nacionalidade”. Outro rumor era que Barbaro comandava um modelo de negócio similar ao do gangster de Boston Whitey Bulger, e extorquia abertamente figuras-chave do submundo de Sydney enquanto trabalhava secretamente para a polícia com informante da Comissão de Crime Australiana.

Qualquer que fosse o caso, Barbaro acabou morto. Para ter uma noção de como ele realmente era, e como acabou assim, a VICE se encontrou com um cara que vamos chamar de “Robbie”. Robbie lembra como conheceu Barbaro em seu clube de strip-tease em Kings Cross, o Dollhouse, e como aquela noite revelou muito. Abaixo ele conta a história.

VICE: OK, me conta como vocês se conheceram.
Robbie: Nosso chefe deu vários bônus para a nossa firma porque quase dobramos nossa meta. Então, naturalmente, decidimos ir para Cross e curtir com algumas strippers. No meio da noite, vi quatro caras bombados e totalmente tatuados no bar. Eu estava tentando evitar contato visual e só pedir meus drinques mas o bartender interrompeu, apontando para Pasquale e dizendo “Ele vai pagar”. Ele deve ter visto quanto a gente estava gastando e queria retribuir o favor ou algo assim. Aparentemente ele era o dono do lugar. Eu disse obrigado e, quando dei por mim, estava seguindo o cara para uma sala particular para cheirar com strippers. Eu estava um pouco ansioso no começo, mas a coragem alcoólica bateu eu pensei “Foda-se, YOLO”. A coisa espiralou rapidamente. Passei de um bêbado que não conseguia pronunciar as palavras direito para um cheirado paranoico num piscar de olhos.

Qual foi sua primeira impressão de Pasquale?
O ego dele. Ele fazia você sentir que ele estava comandando o show. Ele sempre me encarava nos olhos toda vez que a gente se falava. Se confiava em você, ele era muito aberto sobre as coisas em que estava envolvido. Nunca tive a impressão de que ele era um informante, mas acho que isso não é o tipo de coisa que qualquer pessoa no mundo compartilha. Ele fazia questão de detestar agressivamente qualquer tipo de autoridade. Ele se vestia bem, usava um monte de joias e era obcecado por essa persona gangster. O protetor de tela do iPhone dele era uma foto de John Gotti. Ele me disse que tinha o mesmo relógio que Rick Ross, só que o dele era coberto de diamantes VVS. Eu nem sabia o que significava VVS, mas me pareceu muito legal.

Como eram os amigos dele?
Um deles ficava me chamando de quadrado, e perguntando por que eu estava tão paranoico. Eles ficavam rindo e perguntando se eu era policial. Eles eram enormes, tatuados, pareciam bonecos de ação. Parecia um teste estranho, para ver se eles conseguiam me intimidar ou algo assim. Mas eles me acolheram logo. Acho que porque tinham uma ideia muito Wall Street do que eu fazia no trabalho; eles provavelmente acharam que eu podia transformar o dinheiro deles numa fortuna da noite para o dia jogando com ações. Eles me disseram que tinham largado a escola – como se quanto mais cedo você largasse a escola e mais dinheiro certificasse seu status na hierarquia gangster.

Era estranho, não dava para sentir amor entre eles. Eles expressavam sua lealdade de um jeito forçado, como se tivessem tomado MDMA. Pasquale definitivamente era o centro da atenção. Seus colegas só tinham olhos para a cocaína e as joias, mas ele não podia dizer qual era a intenção deles ou pelo menos não admitia. Pasquale ficava lembrando todo mundo de que eles podiam fazer o que quisessem, quando quisessem, desde que estivessem com ele. Ele cuidava de tudo. Não havia regras. A gente podia fazer literalmente o que desse na telha e ninguém ia piscar. Acho que, numa sala cheia de criminosos, o que eu achava loucura ou estranho era totalmente comum.

Uma vibe meio O Lobo de Wall Street.
Uma coisa assim, mas bombada. Todo mundo estava usando camisas floridas Versace de seda, correntes com diamantes e dentes de ouro. A festa provavelmente tinha mais em comum com um clipe de rap do que com O Lobo de Wall Street. Sempre imaginei se criminosos eram superestimados ou glamourizados, se eles davam festas assim mesmo. E dão, cara, mas é muito mais intenso quando você está participando.

Perguntei ao Pasquale se ele estava envolvido nesse tipo de coisa – quando obviamente ele tinha um negócio de sucesso e uma riqueza considerável – mas ele só deu de ombros e ignorou a pergunta. Uma hora depois, ele chamou três garotas para me escoltarem até uma sala no fundo e só olhou para mim, riu, apontou as garotas e disse “É por causa disso”. Todo mundo estava chapado demais para ir para casa, então fomos para a casa do Pasquale. Foi lá que deu merda.

Como era a casa dele?
Era enorme, e tinha merdas da Versace por todo lado. Ele tinha pôsteres de personagens mafiosos clássicos de Hollywood e ficava me mostrando obsessivamente sua página no Instagram. Ele queria comparar o que estávamos fazendo com as postagens do Dan Bilzerian, e estava mandando mensagens privadas para Ariana Grande, dizendo que a levaria para sair quando ela estivesse em Melbourne. Ele tinha uma mesa redonda enorme com uns 20 lugares. Levamos algumas garotas pra lá e continuamos cheirando. Acho que usamos umas 15 gramas entre quatro pessoas, e ainda estávamos bem. Também tinha uma tigela de salada cheia de pílulas, que todo mundo mastigava como se fosse bala.

Você ficou com medo?
Não, eu estava louco demais. A realidade ainda não tinha batido. E sempre que achava que estava ficando sóbrio, eu cheirava mais três carreiras, do comprimento da minha mão. Sério, eram tão longas que eu tinha que parar para respirar no meio. Eu só estava seguindo a correnteza. Mas tudo começou a ficar estranho quando o sol apareceu. Eu tinha esses momentos de clareza onde olhava para as garotas e conseguia ver, com clareza HD, todas as plásticas que elas tinham feito no corpo e no rosto. Elas pareciam bonecas de plástico inchadas. E os caras as usavam como “ativos”. Basicamente as tratando como bonecas infláveis. Não havia emoções envolvidas, eles nem falavam com elas. Mas as garotas adoravam estar com esses caras; desse jeito estranho objetificado, elas estavam lutando por atenção. Mas Pasquale não dava nenhuma, ele só rodava a sala como o orquestrador de uma procissão. Ele era o rei da festa e sabia disso.

Quando eu finalmente disse a ele que estava pensando em ir embora, ele perguntou por que e do que eu precisava. Ele não conseguia entender por que alguém ia querer sair do fiasco à la Bilzerian que ele tinha começado. Não sei por que, mas no meio de toda aquela merda ele me pareceu realmente solitário. Ele estava recebendo uma lap dance, cercado por caras bombados, mas não estava presente, ele não dava a mínima, e não estava satisfeito. Talvez ele soubesse que não era real. Ele não conseguia comprar a única coisa que parecia que ele não tinha, alguém que se importasse realmente com ele, com quem ele pudesse conversar. E ele não conseguia entender por que não podia comprar algo assim.

Você viu ele de novo?
Só nas notícias, uma foto brutal dele caído de cara no concreto, ensanguentado. Era uma imagem muito forte. Lembro que uma colega disse que não acreditava que eles estavam mostrando aquilo na TV. Era bem chocante, assim como o fato de eu ter saído com esses caras como se fosse uma coisa divertida. Mas a coisa mais assustadora é que não é um programa, é real e as pessoas morrem. Percebi que é nisso que dá aquela coisa de “live fast, die young”. Parece um estilo de vida atraente até que alguém maior e pior que você cruza seu caminho, aí as consequências são assustadoras pra cacete.

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