Especulações de que Donald Trump esteve sempre secretamente trabalhando para Moscou circulam há meses, mas a coisa extrapolou recentemente. A razão é simples: parado lá ao lado de Vladimir Putin em Helsinque, o presidente dos EUA disse que acreditava quando o colega russo nega as acusações das agências de inteligência dos EUA em se tratando dos ataques hackers na campanha de 2016. Desde então, Trump disse que se expressou mal, um passo atrás que não está convencendo ninguém. Não que isso importe muito para seu futuro político a curto prazo – republicanos dos EUA, independente de todas as condenações, não vão puni-lo por ficar do lado de uma potência hostil.
Então a coisa mais tangível que tiramos de Helsinque é material novo para a crescente comunidade de norte-americanos convencidos de que Trump é pau mandado do governo russo. E nem é preciso viajar muito na maionese: no começo do mês, Jonathan Chait da revista New York juntou notícias e outras evidências (algumas frágeis) para articular, de maneira relativamente coerente se não convincente, que Trump está do lado dos russos desde 1987.
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Mas Trump está realmente se comportando como alguém respondendo a um governo estrangeiro – o da Rússia em particular – como deveria? Como Moscou coordena seus colaboradores e espiões na era pós-Guerra Fria? Quais as chances de Putin estar pessoalmente envolvido nisso tudo? E se Trump é mesmo algum tipo de peão russo, como eles estão trabalhando ou manipulando ele?
Para responder a essas questões, liguei para Mark Galeotti, associado sênior da UMV, o Instituto de Relações Internacionais de Praga. Acadêmico especialista no Kremlin (e colaborador da VICE), ele é o autor de um livro recente sobre o submundo criminal do país, além de um jornalista que escreveu vários trabalhos sobre os sistemas de inteligência deles.
VICE: Qual você acha que é o tamanho da rede moderna de colaboradores russos na inteligência? Isso incluiu não só nomes grandes mas pessoas desconhecidas também, certo?
Mark Galeotti: Com certeza, há toda uma variedade de colaboradores. Às vezes você consegue mais informações de um motorista de um ministro do que tentando recrutar o próprio ministro. Claro, esse é o problema com o número real de colaboradores – nem serviços de segurança e inteligência sabem realmente quantos deles existem. Tendemos a pensar nisso como algo saído do The Americans – algo relativamente constante e lidado com cuidado. Bom, muitos deles não têm laços tão restritivos. Pessoas são úteis aqui e ali, e de vez em quando têm informações que podem ajudar. E podem nem saber quem as está recrutando. Então a rede de colaboradores é algo que você tem que identificar em termos de profundidade de manipulação, digamos.
Então sim, é algo amplo – muitas dessas pessoas estariam na estante, por assim dizer, esperando para serem usadas de tempos em tempos.
Muita discussão nos últimos dois anos, principalmente desde a publicação do infame dossiê de Steele detalhando que o governo russo supostamente tem a notória “pee tape” do presidente, se centra na ideia de kompromat . E talvez isso seja estimulado pela personalidade de Donald Trump – um homem com uma história documentada de má conduta sexual. Mas você acha que essa é a única ou principal maneira como os colaboradores são obtidos ou ativados? Suspeito que kompromat é só uma parte.
Sim, e vamos ser honestos: também é a abordagem menos útil. Chantagear alguém para ser um colaborador é sua última opção. No geral isso não dá muito certo. Colaboradores são úteis precisamente porque são autopropelidos. Você os envolve, os deixa entusiasmados com a ideia de ser um colaborador, e eles vão, do seu jeito, conseguir informação que é útil para você. Se está realmente coagindo alguém, você se torna uma ameaça para a pessoa. Na melhor das hipóteses, você consegue um nível mínimo de cooperação – eles fazem o que você manda e nada mais. Na pior, eles vão tentar se voltar contra você. E agências de contrainteligência tentam facilitar para que essas pessoas pressionadas se entreguem e se tornem agentes duplos.
Então o kompromat existe, mas não é a abordagem preferida.
Como você acha que a inteligência russa trabalha ou manipula colaboradores norte-americanos ou que vivem nos EUA anos últimos anos?
A maior parte do recrutamento são pessoas que terão acesso ao tipo de informação que as agências de inteligência querem encontrar. E até muito recentemente esse era o ponto – quem pode saber exatamente o que acontece no Pentágono? Quem pode ter acesso ao que acontece dentro do FBI e da CIA? Quem pode conseguir as melhores fofocas de Washington? E assim você busca recrutar e manter pessoas que acha que podem ter acesso a isso – pode ser um jornalista, pode ser alguém da própria agência, ou pode ser o cunhado de alguém que vai para o bar com as pessoas e ouve as histórias sobre o que acontece em Washington.
A coisa interessante da questão dos colaboradores como agentes políticos de influência: isso era algo que, nos anos 90 e começo dos 2000, não era central para o que os russos estavam fazendo. Eles estavam buscando informação, não influência.
Certo, mas isso mudou desde que Putin retornou à presidência, certo?
Pode ter começado antes, mas 2014 é um marco importante, por causa da Crimeia obviamente; de repente você tinha essa piora dramática das relações com o Ocidente. E também acho que uma sensação de Putin e seu círculo interno de que a última ponte tinha sido queimada. Os Jogos Olímpicos de Sochi eram uma tentativa de reganhar esse tipo de poder – e eles tiveram sucesso. Mas isso foi eclipsado pelo que aconteceu na Ucrânia e pela decisão de entrar na Crimeia. Foi quando Putin decidiu que estávamos em guerra – uma guerra política, mas uma guerra. Isso abriu o reino da atividade da inteligência. Eles se tornaram muito mais ousados.
Se você fosse um agente russo ou trabalhando para a Rússia, com que frequência você teria que falar com seus contatos? Como isso parece no cotidiano, de um ponto de vista logístico?
Falando de modo geral, se você é um colaborador recrutado, então talvez seja uma coisa mensal, você tem algum tipo de contato. Geralmente é só alguém com quem você se encontra numa conferência normal em outro país uma vez por ano, só para saber se você sabe alguma coisa, e se souber – ou se o que você souber de repente se tornar importante – talvez te coloquem em contato com outra pessoa. Não é uma abordagem igual para todo mundo.
Também há casos onde alguém pode não ser um colaborador, certo? Uma explicação comum para o comportamento de Trump, que não depende dele ser um espião, é que ele é só egoísta e eles podem chegar até ele apelando para isso, o manipulando.
Sim, claro, e vamos ser honestos – todo mundo faz isso. Quando o presidente francês Emmanuel Macron convidou Trump para o desfile do Dia da Bastilha, ele fez isso sabendo muito bem que Trump gosta de pensar em si mesmo como um cara fodão, e seria seduzido por isso. Todo mundo está tentando encontrar sua própria linha com Trump, acontece que os russos são particularmente bons nisso.
Digamos que Trump de alguma maneira foi subornado ou recrutado – um colaborador direto. Se eu estivesse no comando dele, uma das coisas que eu diria, mesmo antes da campanha, seria “Olha, você tem que pegar no pé de Putin e da Rússia em toda oportunidade. Você tem que apresentá-los como uma ameaça maligna maquiavélica. Porque aí, quando te usarmos para, sei lá, reconhecer a anexação da Crimeia, ninguém vai pensar que é porque você é um agente”. Essa coisa extraordinária do bromance que ele parece ter com Putin de certa maneira prejudicou muito o valor dele, porque o Congresso está profundamente desconfiado. Como o público, e sua própria administração, quando se trata da Rússia.
Eles podem ter alguma coisa sobre ele – não estou inteiramente convencido. Acho que eles só entenderam o tipo de pessoa que Trump é, e estão jogando com ele.
Quais os cenários em que Moscou poderia estar manipulando Trump, se estiverem?
Vou te dar três. Vamos começar com um extremo, se ele é um agente chantageado ou recrutado do Kremlin, você ia querer garantir ter o maior resultado pelo seu investimento, que é exatamente por que você tentaria fazer ele ser discreto, para usá-lo num momento crucial. Você também ia querer que ele estivesse envolvido o mais profundamente possível nas questões de inteligência, lendo mais material dessas agências, não menos. Nada disso parece estar presente.
Mas vamos assumir que você tem as partes metaforicamente mais privadas dele nas mãos, mas mesmo assim sente que não pode confiar nele, seja em termos de personalidade ou quanta coisa você tem contra ele, que é um pouco mais plausível. Então você está efetivamente procurando maneiras, sem deixar óbvio, de usá-lo mais eficientemente. Aqui, acho que você pegaria alguns casos específicos onde acha que ele poderia conseguir algum resultado. Ele não está entregando muita coisa real [até agora], mas pode estar trabalhando nessa direção.
Ou a terceira opção: você não o controla mas tem como influenciá-lo, talvez através das pessoas da comitiva dele, ou algo assim. Você tem um bom entendimento dele, mais do que o uso que você pode ter quando ele vai para uma conferência com Putin. E nesse caso, novamente, o Trump sendo o Trump, alguém que é errático e centrado em si mesmo, o melhor uso para ele seria como uma granada. Você arranca o pino e joga numa direção em particular. E por isso – não acredito que Trump é recrutado ou controlado – não acho que alguém pode dizer categoricamente que não há chance de qualquer tipo de gerenciamento. Porque se quer usá-lo como uma granada, você ia querer que ele explodisse a política norte-americana e também toda a política ocidental – a estrutura econômica. O problema, claro, é que parece que é exatamente isso que Trump quer fazer. Isso é o Trump? Ou é o Putin? É um bizarro híbrido entre Trump e Putin? Difícil dizer. Do ponto de vista deles, o que Trump está fazendo como ruptura do Ocidente se encaixa perfeitamente nos objetivos russos. Mas acho, honestamente, que eles só tiveram sorte em vez de realmente algum crédito.
Em algum ponto, importa mesmo se ele é um espião ou não? A reputação de Trump está se desgastando com essa história de espião. Eles já ganharam nesse sentido?
Ter a elite política norte-americana os considerando essa terra de mentes brilhantes por trás desses esquemas sofisticados, que basicamente conseguem determinar as eleições, elevar presidentes e de um jeito maquiavélico decidir para que lado o mundo gira, isso realmente é algo a favor dos russos. Putin fez uma escolha estratégica: ele não vai fazer amigos. Mesmo com a Copa do Mundo, ele não fez aliados. Mesmo na Europa, quem é vagamente pró-Putin não está dizendo “Ah, vamos ser vassalos da Rússia”. Ele já se conformou com o fato de que a Rússia será sempre considerada o bully. E ele quer parecer o bully mais formidável do parquinho – alguém durão, imprevisível, com quem você não vai querer mexer.
A entrevista foi editada e condensada para melhor entendimento.
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