Sei o que fizeste no Milhões passado

Do Milhões de Festa espera-se tudo: excelentes concertos, calor qb para cair de cabeça na piscina, miúdas boas em biquíni, gente a cambalear de cegueira pelas ruas de Barcelos, jornalistas,

trolls

, jornalistas trolls e, acima de tudo, um ambiente inigualável por qualquer outro festival dentro ou fora de portas.

E agora que se aproxima a sua terceira edição — ou quinta, mas, convenhamos, ninguém quer/quis saber das outras duas — é tempo de começar a preparar ansiosamente os quatro dias de festão que Julho nos reserva. E também de olhar um pouco para trás, recordar grandes momentos, prometer repeti-los. Porque são muitas as histórias que atribuem ao Milhões este nível de cumplicidade. Ou talvez seja eu que sou demasiado preguiçoso para ir falar com quem não conheço. Além disso, não me pagam para escrever livros como o Simon Reynolds. Se bem que o Milhões e a cena portuguesa merecessem o seu Rip It Up And Start Again (isto sou eu a piscar o olho a editores com dinheiro).

Acabei por escolher estas dezasseis pessoas para me contarem como foi o seu Milhões de 2011. Talvez as linhas que aqui se encontram convençam os cépticos (ainda existem cépticos, foda-se?) a dar um pulo até ao Minho na próxima semana.


Fotografia por Joana Castelo

Amílcar Rodrigues
(fotógrafo ocasional, fã de Smiths, rei do Photoshop)

No primeiro dia bebi vinhão e vomitei. Tirei bastantes fotos no fosso, fotos essas que não foram publicadas em lado nenhum. Ou melhor, foram para um Google+ e para um Flickr e ninguém quer saber. De resto, bebi muita cerveja, nem toda a pagar. Bebi Casal Garcia daqueles copos com pé, mesmo à panasca. Também entrei na piscina dos pequeninos porque havia demasiada gente peluda na dos grandes. Um gajo tem de estar atento, há sempre bears à espreita.

Manuel A. Fernandes
(gajo do rock, andou a passear com os Black Bombaim)

Na sexta-feira bateram-me no carro em Famalicão, ia eu a caminho de Barcelos. Andei a dar boleia a turistas para o Xispes. Fui insultado por um gajo qualquer. Estive a passear às seis da manhã pelo campismo, à procura de um after, e cometi a proeza de não ver um único concerto de LSD Mossel. Andei a comer o pó do palco Lovers. E ainda te dei uma garrafa de água, Cecílio.

Maria Luz
(adorou o último de Japandroids, nunca foi ao Milhões)

Saí do trabalho à meia-noite e meia cheia de fome porque a Natacha tinha bazado para Alpiarça e tinha-me comido o último hambúrguer que havia em casa, por isso fui aos kebabs. Cheguei a casa à uma e tal da manhã. Sem chaves. Tive de acordar o meu senhorio, que lá me foi abrir a porta às duas da manhã. Comi o kebab já frio.

João Pimenta
(vocalista em muitas bandas, tem uma loja de roupa no Porto)

Na quinta-feira gamei um vaso com flores a uma discoteca chunga. Isto deve ter sido já de manhã, há fotos disso e o céu está claro. Só sei que quando acordei no dia seguinte havia um vaso na mesa da sala (já agora: obrigado ao Rui Esteves pelo apartamento mesmo junto ao recinto). No dia a seguir toquei, pesadamente ressacado, no areal junto às piscinas, onde pelos vistos havia um palco que muitos festivaleiros não encontraram. O concerto foi péssimo, o técnico de som era nitidamente atrasado mental ou atrasado mental, o cheiro a merda era bem potente e acabei por ficar com areia nas virilhas. O resto do festival foi na treta com amigos, entre finos e um concerto aqui e acolá. Não apreciei nenhum em especial, embora tenha ficado bastante agradado com Bob Log III, Secret Chiefs 3 e Liars. Fiz as coisas normais que se fazem em festivais: álcool, tentativas de entrar no backstage e muitas horas de conversas com gente que já não via há algum tempo. No último dia dei também o último concerto de Green Machine. Achámos que se enquadrava acabar com a banda ali. Não podia imaginar que haveria gente a chorar de emoção naqueles momentos finais. Não comi o panadão no Xispes, mas este ano não falho.

Zezé Cordeiro
(tem a mania que toca baixo, a mãe dele ouve Baroness)

Entrei numa parte do recinto com uma carrinha e comecei a buzinar a meio do set do André Granada. O que vale é que só estavam duas pessoas, mas foi um bocado chunga na mesma e arrependi-me logo a seguir. Fiz xixi para o rio enquanto o bote de guerra da G Protect estava distraído. Outra: estive uns bons minutos a saber mais da banda de nu metal de um dos seguranças (não só existe mesmo como ainda é bastante popular em Barcelos). E perdi concertos a sério para ver a palestra de Chungwave.

Fábio Costa
(foi esperar a equipa do Sporting ao aeroporto depois do jogo com o Man City)

No Milhões passado consegui não jogar à bola nu como fiz há dois anos. Estive com amigos, conversei, ri, vi Foot Village e diverti-me imenso. Foi soberbo. Ah, e participei no primeiro Encontro Internacional de Chungwave.

Nuno Rodrigues
(expoente nacional máximo do Rock Sem Merdas)

MANDEI BUÉ MERDAS E ANDEI SEMPRE DE OLHOS ARREGALADOS!

Ricardo Guimarães
(gordo de merda a quem vou partir as trombas)

Dormi no hotel Bagoeira e o primeiro concerto que vi foi o dos Equations, já que só deu para ir no domingo. Fui comer um panado mutante ao Xispes e depois tentei andar à porrada com um certo mariconço, mas ele já estava combinado com os seguranças, que interromperam logo o monumental espancamento a que ele ia ser sujeito.

Raquel Silva
(tem três sinais no ombro que formam um triângulo, o que é bastante fixe)

Nada. É para isso que se vai ao Milhões, para não fazer nada da vida: só ver concertos, ver pessoas que não vês em mais altura nenhuma e ter encontros de terceiro grau com outras pessoas sem as quais viverias bem o resto do ano. Toda a gente diz que ir ao Milhões é inesquecível, mas não me lembro de nada relevante que tenha feito por lá. Pior festival. PIOR FESTIVAL.

João Marcelo
(possuidor de uma barba épica, Nick Drake português)

Vi e revi amigos. Vi concertos que queria ver e de que gostei, vi concertos que nunca iria ver de outra forma, mas de que também gostei. Comi bem, bebi bem, acampei bem (o que não é, de todo, comum num festival), chillei à grande na piscina. Chillei no geral. No fim, pareceu que nem tinha sido um festival, de tão pouco cansado que eu estava.

Emanuel Botelho
(futebolista sensível, radialista incansável)

Servi de segurança à bateria do Ricardo no concerto de Lobster, chorei baba e ranho no concerto de Electrelane, fiquei a conhecer Kim Ki O, Foot Village e MKRNI, discuti com um segurança por causa de uma banana e fui mordido por uma vespa a desmontar a tenda.

Diogo Jesus
(na casa dele não existe Satanás)

Não fui. Mas no anterior fui e toquei. Dei uns mergulhos na piscina. Dei porrada a um gajo que queria comer a minha ex-namorada, fui expulso e passados cinco minutos voltei a entrar. Fui para o backstage beber umas jolas com os Captain Ahab, que são porventura a melhor banda do mundo, e acabei nu no concerto deles.

Mariana Duarte
(escriba respeitável que gostava mesmo de ver Mudhoney por cá)

Enchi várias vezes o bandulho com a vitela assada do Muralha, arrotei mil por causa do panadão do Xispes, provei o polvo à lagareiro maravilhoso da Casa dos Arcos, fui muito feliz nos concertos de Lobster e Causa Sui. Quase que bati a um segurança: no último dia, depois de fazermos uma pausa, voltámos ao recinto para ver Secousse, eram para aí quatro e tal da manhã, e os seguranças não nos deixaram entrar porque, pelos vistos, as portas fechavam às quatro. Como esta merda não estava escrita em lado nenhum (tipo o programa do festival), nem ninguém sabia de nada, disse aos senhores que tinham de me deixar entrar. Afinal de contas, tinha pago o bilhete. Depois de cinco minutos a tentar ser educada, passei-me um bocado. Bastante, vá (sempre tive aversão a agentes da autoridade). Só sei que a certa altura um dos seguranças quase que chamou reforços — o que é parvo porque eu não cheguei a bater em ninguém e qualquer pessoa me consegue atirar ao chão — e que as minhas amigas só me diziam para ter calma (chatas do caralho). Uma peixeirada. Sou de Aldoar, não renego as minhas origens. O Nuno Miranda, da VICE, assistiu a tudo isto no carro e acho que depois deste episódio ficou a gostar mais de mim.

Matilde Ricon Peres
(sapinha on the hop)

Trabalhei. Não, agora a sério: ser empurrada, despercebidamente, para a piscina pelo Villar não é bom, portanto não pensem que é. A parte delicodoce que uma menina como eu tem de ter: fazer muitas bolinhas de sabão, beber casualmente Casal Garcia, etc.. Conheci e dancei com um rapaz chamado Alexandre, mas, e infelizmente, ele não quis nada comigo. Fiquei cheia de ciúmes da Sónia e da Daniela. No meio disto tudo, só metade do nosso consciente viu Liars. Ainda travei amizade com uma garrafa de vodca muito antiga. Não comi porco no espeto e fiquei muito triste com isso (TRAGAM O PORCO NO ESPETO DE VOLTA). Vi Papa Topo, mas o que interessava era mesmo a Rosa e as suas danças — ponham aquela miúda no palco. No último dia, não sendo puta rica, só sobrou o vinhão/vinhaça e não dinheiro para ir ver AnCo.

Ana Beatriz Rodrigues
(ponta alternativa transformada em chupa-chupa)

A minha vida no Milhões de Festa foi pouco interessante. Não que eu não seja alguém demasiado interessante, mas passei os dias a comer no Cristo Rei e contactei pouco com o mundo. Fiquei depois um mês sem ver pizzas e batatas fritas à frente (devo ser a única pessoa que ainda não provou Os Panados). Senti-me imensamente metaleira no Palco SWR, a abanar os caracóis, e ainda mais trve quando os seguranças me carregaram em Zu porque sou uma menina e gosto de desmaiar em concertos. Lembro-me de pouca coisa do festival, mas foi marcante descobrir que a Amy Winehouse tinha morrido enquanto torrava numa esquina qualquer. Ah, e conheci o Paulo Cecílio em Riding Pânico. Foi fixe, não fugi.

Joaquim Durães
(tipo, Deus na terra)

No ano passado fartei-me de caminhar, de falar ao telefone, de dizer “não” a tentativas de cravar bilhetes e de perder concertos que queria mesmo ver (Graveyard, por exemplo). Não dormi, quase não comi (benditas maçãs) e nem fui à piscina dar um mergulho. Organizar esta merda é, na verdade, uma seca descomunal. Ainda bem que, um mês depois, há Paredes para poder ser festivaleiro a sério.

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