“Se masturbe antes de vir”, me disse Synyster*. “Queremos que você esteja calmo antes do ritual.”
O “ritual” seria um rito de iniciação satânico no cenário improvável dos arredores de Aligarh, norte da Índia. Synyster, o pseudônimo dado pelo homem de 24 anos, me garantiu que o ritual criado por sua seita seria uma experiência “moderada”, apropriada para um iniciante.
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“Tome um banho”, disse Synyster. “Use roupas pretas e um pouco de perfume. Traga cinco velas, um pouco de incenso, um cálice de prata, um sino pequeno e uma lâmina de barbear.”
“Uma lâmina de barbear?”
“Para o seu sangue. Se você preferir, traga um organismo vivo para sacrificar: um lagarto ou um rato.”
Perguntei se eu poderia levar uma seringa. “Isso mancharia a santidade do ritual”, ele disse sarcasticamente. “Mas OK.”
O início
Uma cidade tranquila e conservadora de um estado governado por um iogue hindu, Aligarh tem uma população 42% muçulmana e uma minoria pequena mas visível de cristãos. E, como descobri por acaso com uma mensagem de um antigo colega de escola, um grupo determinado de adoradores do mal.
De tempos em tempos, histórias de “atividade satânica” surgem na Índia, principalmente em lugares com uma presença forte da igreja, como Kerala, Mizoram e Nagaland. O serviço de notícias do Vaticano expressou preocupação com a tendência depois de um incidente Cochin em 2013. Mas na maior parte, o satanismo na Índia parece ser uma simulação — uma mistura de estética gótica e interesse pelo oculto que tem menos a ver com as práticas indígenas de ocultismo e mais com filme de Hollywood como O Bebê de Rosemary e O Exorcista.
A existência de uma seita em Aligarh é um rumor sussurrado no meu círculo de amigos. Quanto disso é verdade e quanto é exagero continua difícil de provar. Apesar de Synyster dizer que há centenas de membros da seita, só encontrei umas 12 pessoas que falam abertamente sobre suas crenças e que participaram de “rituais”. Eles escrevem postagens no Facebook celebrando a morte e a decadência, e postam vídeos de seus braços cortados e sangue saindo de partes do corpo.
A gênese do grupo de Synyster foi simples: alguns amigos de escola que começaram a explorar o satanismo uns 10 anos atrás, criando seus próprios rituais usando elementos encontrados em livros e em suas vidas pessoais.
Um homem magro, baixinho e de fala mansa, Synyster considera sua família muçulmana relativamente progressista: eles o mandaram estudar numa escola comandada por católicos, permitiram que ele investisse em seu interesse por poesia e toleram seus amigos de unhas pintadas de preto.
Mas por mais mente aberta, disse Synyster, sua família nunca entenderia as coisas que ele e seus amigos faziam na adolescência.
Synyster e outros homens jovens que conheci em Aligarh dizem ter desenterrado corpos de cemitérios, dado caveiras humanas de presente uns para os outros, e bebido sangue nessas caveiras. Eles dizem que invadiram igrejas, profanaram a Bíblia e inverteram a Cruz. Synyster me mostrou algumas cicatrizes apagadas em seu corpo, feitas por ele e seus amigos com facas. “Dá pra ver os sinais de uma cruz invertida nos meus braços”, ele disse. “Aqui tenho um 666. E aqui um triângulo.”
Eles fizeram amizades com sadhus Naga e roubaram caveiras de traficantes de droga aghori. Eles abriram corpos de lagartos, corvos e aranhas, misturaram as entranhas dos animais com tabaco e fumaram. Eles disseram dar sua própria carne pros seguidores.
Reunindo o Rebanho
A suposta seita satânica de Aligarh começou com quatro estudantes de uma escola de elite da cidade: Synyster, Necronemesis, Doctor e Professor*.
“Sentíamos aversão pela cultura conservadora de Aligarh”, me disse Synyster. “Não gostávamos do goondaísmo predominante e da ênfase exagerada em religião. Não queríamos ser como os outros que andam de moto, passam muito tempo perto da Universidade das Mulheres e até provocam as estudantes.”
Eles montaram um “ashram” perto de Chherat, um vilarejo a 10 quilômetros de Aligarh. “Interagimos com os aldeões e sadhus. Eles fazem chillums com a gente”, disse Synyster. “Éramos só nós, longe do mundo.” Eles passavam dias juntos no ashram, uma pequena cabana numa fazenda que eles descrevem como “esteticamente agradável e perto da natureza”. Synyster me disse que em certo ponto, eles estavam passando mais tempo na cabana isolada do que em casa. “Tínhamos roupas e até nossas escovas de dente lá.”
Sua família teria visto isso como uma rebelião contra as normas da sociedade. Às vezes seus pais o impediam de sair à noite e o aconselhavam a ficar longe de pessoas que consideravam inescrupulosas, mas Synyster começou a questionar essas restrições. “Eles são pessoas como nós, não?”
Apesar de Synyster, Necronemesis, Doctor e Professor estudarem em faculdades diferentes, eles encontravam tempo para se encontrar, e para atrair outras pessoas para sua causa. É difícil dizer quantos desses “seguidores” são simplesmente pessoas comprando uma estética gótica como adolescentes. Synyster, que é fascinado por números como 13, 33 e 666, me disse “Nossa seita agora é apenas 13% do que já foi. No auge, três anos atrás, tínhamos 13 mil seguidores.” (Aligarh nem tem tantos cristão assim.) “Agora somos só 333.”
Um ex-colega de classe dos líderes, que disse ter medo de usar seu nome verdadeiro, me disse que os satanistas iam para a escola com as unhas pintadas de preto, usando sombra e penteados estranhos. “Chamavam eles de ‘adoradores do demônio’ ou ‘illuminati’. Quando eles passavam pelos corredores, era impossível não notar”, ele disse.
“A maioria os considerava idiotas ou pessoas tentadas por Satanás. Alguns diziam que era melhor não dar atenção, enquanto os devotos achavam que Alá mostraria o caminho certo a eles”, ele acrescentou.
Mas outros se sentiam atraídos pelo grupo. Um dos membros, “V”, é um cara alto e bonito de 23 que se juntou ao grupo depois de terminar a escola. Agora ele estuda engenharia e idolatra o inventor sérvio-americano Nicola Tesla, mas tem carinho pelas lembranças do envolvimento com a “seita”.
“A gente baixava e lia livros de Aleister Crowley”, disse V, descrevendo o ocultista inglês como “a pessoa mais louca do mundo”. Desprezando música americana, eles ouviam bandas europeias como Burzum, Opeth, Mayhem, A Forest of Stars, Necrobutcher e Sledgehammer. “Até Putin escuta Opeth”, ele disse.
V uma vez roubou um crânio de um aghori tantrik e deu de presente para Necronemesis em seu aniversário. “Quando abriu o pacote, ele me abraçou e disse que tinha sido o melhor presente que ele já tinha ganhado.”
Segundo ele, os pais dos garotos muitas vezes estavam ocupados demais trabalhando como professores, médicos e engenheiros no exterior. “A maioria dos nossos amigos tinham pais ricos e educados que não tinham tempo para os filhos”, ele disse. “Os garotos se aproveitavam disso.” O pai dele morreu quando ele estava no jardim de infância.
“Muitos de nós sofrem com vários transtornos”, ele disse. “Alguns ainda estão passando por terapia ou reabilitação.” No ashram deles, os garotos encontraram uma comunidade. “Nos aceitávamos como éramos”, ele disse.
A filosofia
A filosofia dos “irmãos de sangue” é baseada numa combinação de ideias tiradas de literatura satanista, textos religiosos, paganismo e arte popular — sinais mandados pelo universo sobre a existência das forças que o criaram, segundo eles.
Ano passado, me encontrei com Necronemesis, agora com 24 anos, um homem de pele escura com cabelo na altura dos ombros e olhos negros, o líder real da seita, na casa da sua família num bairro de classe alta no norte da cidade, de onde a maioria dos “irmãos de sangue” são. Ligeiramente desconectada do resto da cidade por uma ferrovia, Necronemesis e seus amigos chamam a área de “Nova Aligarh”.
Seu quarto tinha paredes pretas com páginas meio queimadas da Bíblia, uma guitarra, ossos de animais pendurados do teto, um crânio, uma cruz invertida e uma linga de Shiva. Necronemesis, segundo ele, quer dizer um messias negro com habilidades sobrenaturais: um agente da morte. “Um necronemesis pode trazer desastre mesmo durante o sono, só de pensar nisso”, ele disse.
Necronemesis disse que está sempre em busca de sabedoria e conhecimento. “Li muitos livros e comecei a rejeitar coisas que não me pareciam certas. Tenho uma coleção de livros assim. Eu ansiava por coisas sombrias.” Os livros no quarto dele incluíam A Bíblia Satânica de Anton Szandor LaVey e Os Filhos da Meia-Noite de Salman Rushdie.
O mesmo se aplicava a drogas. Ele começou a fumar maconha na adolescência, e logo estava usando heroína. Há um lago coberto de algas no que ele chama de “Terras Estéreis” perto de sua casa, onde Necronemesis vai para estudar literatura satânica e injetar. “Com heroína na minha corrente sanguínea, deito nas pedras e olho para o céu estrelado”, ele disse. “Às vezes nado no lago.”
Enquanto o som do azaan, o chamado de prece islâmico, flutuava de uma mesquita próxima, ele cheirou uma carreira e me disse para tocar “To Die Alone” da banda norueguesa Veil. (Ele disse que seu gênero favorito era black metal depressivo suicida.) “Religião é um conjunto de regras que qualquer um pode escrever”, ele disse. “Posso escrever melhor.” Ele acendeu um cigarro. “Há um exército de muçulmanos perturbados por adorarmos Satanás”, ele afirmou.
BlackLeg, 22 anos, disse ser parte de um subgrupo com pelo menos 20 seguidores. “Tenho o poder de manipulá-los e os trazer para o lado negro através de drogas”, ele se gabou. BlackLeg disse que foi introduzido ao lado negro quando alguém colocou um feitiço em seu pai quando ele tinha cinco anos. Quando estava na oitava série, ele participou de seu primeiro ritual — “uma mudança de visão”. Aí drogas e música, especialmente thrash metal, entraram em sua vida. Na décima série, ele participou de um “pacto de sangue”, jurando aliança à ideologia.
Para ele, satanismo não é “uma religião”. “É sua essência, é sobre adorar a si mesmo”, ele disse. Ele afirmou que não havia conflito entre suas crenças e as da namorada religiosa.
O Ritual
A visão filosófica de BlackLeg do satanismo contrastava com algumas coisas que V disse sobre o grupo. “Já fizemos de tudo”, me disse V, “de profanar livros sagrados a pedir que as pessoas pisassem no Corão, para testar sua devoção. Alguns pisaram, os mais fracos se recusaram”.
Mas com os anos, o grupo central e os outros seguidores se dissiparam. Alguns largaram a Universidade Muçulmana de Aligarh, enquanto outros lutam para terminar seus cursos em instituições particulares, tendo os estudos interrompidos por passagens por centros de reabilitação. Alguns pais teriam descoberto um esqueleto no quarto do filho. Outro membro foi expulso de casa por pintar uma suástica nazista na parede do quarto. Os pais de Synyster eventualmente o mandaram estudar em Lucknow.
Os que conseguiram uma carreira acabaram se distanciando do grupo. Doctor e Professor não quiseram ser entrevistados.
Synyster culpa alguns dos novos seguidores por diluir a mensagem original. Eles eram “paga-paus”, ele disse, “atraídos pelas roupas pretas, esmaltes, sombra, anéis e medalhões”. Ele acrescentou: “Millennials começaram a interpretar as coisas do seu jeito e transformaram as drogas num negócio. A coisa saiu do controle”.
Perguntei a Synyster se eu podia testemunhar um ritual, que foi como me vi na garupa da moto dele numa noite. Chegamos às “terras estéreis”, só nós dois. “Encontrei um osso”, disse Synyster. “É um sinal.”
Ele desenhou um pentagrama dentro de dois círculos, colocou as cinco velas nos vértices e o cálice no centro. Depois desenhou uma cruz e me mandou ficar no meio. Ele colocou numa máscara de caveira, que cobria a metade inferior de seu rosto.
Numa voz sinistra, Synyster apontou para cada ponto cardial e disse quatro vezes:
“Salve Lorde Lúcifer.”
“Salve Lorde Belzebu.”
“Salve Lorde Abazgaroth.”
“Salve Lorde Iblis.”
“Se concentre no som do sino”, ele disse, e começou a entoar um cântico que poderia ter saído de Jovens Bruxas: “Louvado seja Lúcifer que nos criou à Sua imagem. Me aceite como vim até você. Diga aos seus demônios para me acompanharem. Diga a eles para me tratarem como um irmão”.
Aí ele enfiou a siringa na mão e derrubou algumas gotas de sangue no cálice. “Oh, Lúcifer, aceite esse sacrifício.”
Eu tinha acompanhado Synyster por curiosidade, mas estar lá sozinho com ele no meio do nada era meio assustador e eu queria acabar logo com aquilo. Ele terminou o ritual e colocou a máscara no meu rosto. “Você está entre nós agora”, ele disse, depois me deixou numa estrada próxima.
*As fontes usaram pseudônimos.
Matéria originalmente publicada pela VICE Índia.
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