Será que os babilônios anteciparam os gregos na trigonometria em mil anos?

Pouco mais de dois mil anos atrás, o grego Hiparco de Niceia criou uma tabela que formalizou o ramo da matemática chamado de trigonometria. Por estudar as relações entre os ângulos de um triângulo e seus lados, a trigonometria fora utilizada por centenas de anos pelos egípcios e pelos babilônios para projetar pirâmides e para a astronomia rudimentar. Contudo, essas sociedades pré-gregas não tinham o conceito de medida de ângulo. Assim, eram incapazes de estudar a trigonometria de forma adequada até a novidade de Hiparco.

Até então, essa era a história conhecida por todos nós que já sofremos com as aulas de trigonometria na escola. Porém, de acordo com uma nova pesquisa da Universidade de New South Wales, no Reino Unido, tudo indica que os babilônios parecem ter formalizado o estudo dos ângulos na trigonometria mil anos antes dos gregos.

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A descoberta foi feira com base em uma nova interpretação da Plimpton 322, uma tabuleta de argila de 3.700 anos descoberta no início do século 20 no Iraque. Nos anos 1940, descobriu-se que os números cuneiformes da tabuleta correspondiam ao Teorema de Pitágoras, que afirma que o quadrado da hipotenusa do triângulo retângulo (o lado maior) é igual ao quadrado de seus outros lados, os catetos.

Durante 70 anos, ninguém foi capaz de compreender o uso dessa tabuleta porque os valores dos senos e cossenos (razão entre os lados diferentes do triângulo retângulo) não estavam presentes. Sem dispor de mais evidências, muitos estudiosos concluíram que a tabuleta não era trigonométrica utilizada para determinar as razões dos lados do triângulo, mas sim um texto escolar antigo.

Contudo, de acordo com Daniel Mansfield, matemático da New South Wales, e autor principal de um artigo recente, para ver a tabuleta como uma tabela trigonométrica exigia apenas mudar o referencial.

Na nova interpretação de Mansfield, a tabuleta de Plimpton explora a trigonometria por meio da razão dos lados do triângulo retângulo com a matemática de base 60 dos babilônios em vez de utilizar o sistema de base 10, com o qual estamos familiarizados hoje. Para os nossos propósitos, as principais diferenças entre os dois sistemas são que a base 10 permite só quatro fatores (1, 2, 5 e 10) enquanto a base 60 permite 12 fatores (60, 30, 20, 15, 12, 10, 6, 5, 4,3, 2 e 1).

As implicações práticas são que uma cultura que utiliza o sistema de base 60 pode ter valores mais precisos quando realiza as divisões para o cálculo das razões dos lados de um triângulo do que as aproximações decimais resultantes dos mesmos cálculos com a base 10.

Para compreender os motivos, considere primeiro a trigonometria grega com que estamos familiarizados. Aprendemos que a forma de um triângulo retângulo depende do tamanho dos outros dois ângulos, sendo que cada um pode ser calculado considerando a razão dos lados do triângulo. As funções trigonométricas utilizadas para descrever essas razões são chamadas de seno, cosseno e tangente, as quais representam, respectivamente, a razão do cateto oposto à hipotenusa, o cateto adjacente à hipotenusa e o cateto oposto ao cateto adjacente.

Isso significa que, se conhecemos o valor de um de dois lados dos ângulos não reto do triângulo, podemos facilmente calcular a razão de seu lado como cosseno, seno ou tangente. E no modo inverso, se eu souber o valor de uma dessas funções trigonométricas, posso facilmente determinar o valor do ângulo.

O valor do ângulo de um triângulo retângulo é apresentado na coluna mais à direita. As razões dos diversos lados estão representados em cada uma das colunas das funções trigonométricas. Imagem: Daniel Mansfield.

Como você deve ter notado na tabela, os valores das funções trigonométricas são aproximados – a maioria das razões da tabela terão valores que ultrapassam as seis casas decimais. É a consequência de o ângulo da equação estar relacionado a um círculo, dividido por 360 graus. A conclusão é que qualquer triângulo dado pode ser descrito em uma tabela, mas o preço a pagar são decimais complicados para os valores retornados.

Os babilônios, por sua vez, relacionavam seus triângulos a um retângulo, em vez de um círculo. Então, em vez de utilizar as funções trigonométricas com que estamos familiarizados, eles utilizavam as razões do cateto menor com o cateto maior, e a diagonal com o cateto maior do triângulo a fim de gerar uma grande variedade de triângulos retângulos. Como Mansfield aponta, esse método é mais exato e mais simples do que o sistema trigonométrico inventado pelos gregos mil anos mais tarde.

Como fazemos a trigonometria hoje versus o método dos babilônios. Imagem: Daniel Mansfield/The Conversation.

“Trata-se de um modo totalmente diferente de olhar para a trigonometria”, Mansfield contou à Science. “Nós preferimos os senos e os cossenos […], mas precisamos nos afastar um pouco da nossa própria cultura e ver da perspectiva deles se quisermos compreendê-los.”

Visto dessa forma, as 15 linhas da tabuleta de Plimpton representam várias razões para os lados de um triângulo retângulo. Começando da linha mais acima e descendo, a tabuleta lista séries de três números que correspondem ao teorema pitagórico e resultam em exatos 15 triângulos retângulos.

Mansfield argumenta que a tabuleta pôde ter diversos usos práticos na sociedade babilônia, desde o cálculo de campo até as ferramentas arquitetônicas utilizadas para criar palácios e pirâmides.

A interpretação de Mansfield da tabuleta de Plimpton é considerada controversa. Faltam provas de que ela se trata, de fato, de uma tabela trigonométrica. São necessárias mais evidências de que os babilônios faziam uso dos supostos princípios trigonométricos contidos nessa tabuleta ou de outra tabuleta que represente a mesma tabela trigonométrica, a fim de confirmar a interpretação de Mansfield.

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