Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.
Ao longo dos tempos, as ficções audiovisuais encorajaram-nos seriamente a termos em conta a relação entre sexo e música, levando-nos a realizar práticas eróticas às vezes inesquecíveis e outras vezes objectivamente lamentáveis.
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Os grandes culpados de toda essa pantomima são incomensuráveis, mas há alguns momentos que ficaram cravados no nosso imaginário para toda a eternidade, como a cena de coito ao som de “Unchained Melody” em Ghost, ou a de Top Gun com Take My Breath Away” como som de fundo, ou o raio do “Sussudio” de Phill Collins a tocar enquanto Patrick Bateman “fode” em American Psycho; ou aquele estranho orgasmo em Lost Highway coroado com “Song to the Siren” na versão dos This Mortal Coil, ou mesmo aquela queca entre Sarah Connor e Kyle Reese que rompe os limites do continuum espacio-temporal e é o momento da concepção de John Connor (líder da resistência contra as máquinas) em Terminator. Sim, todas essas cenas são acompanhadas (diegeticamente ou não) por uma banda sonora que marcou a forma como interagimos com os sons enquanto pinamos.
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A música pode ser um incentivo para melhorar os nossos momentos eróticos na ausência de um erotismo que já esteja implícito nas nossas vidas ou corpos. Existem as playlists temáticas, mas acho que em termos de qualidade qualidade, todas aquelas músicas supostamente eróticas caem na esfera da caricatura e da piada, por isso é impossível pinar ao som delas. Falo de ritmos ou letras objectivamente sexuais, explícitas ou cheias de metáforas. Pinar ao som disso deve ser totalmente impossível e um exercício de metasexo insano. Falo de Barry White, Curtis Mayfield, Marvin Gaye, Prince ou das canções acima mencionadas de Top Gun ou Ghost, clichês do ambiente sexual e do amor.
Pessoalmente, costumo pinar sem música, acompanhado apenas pelo barulho desconfortável de uma cama barata partida, as aventuras roedoras de um hamster fechado na sua gaiola e os gritos nocturnos dos vizinhos, que consideram que a madrugada é o momento ideal para discutir.
As vezes que fiz sexo ao som de música foram porque A) ou já estava algo a tocar de fundo no sítio onde eu estava, ou B) porque a música preenchia todos os requisitos do que considero “Música De Pinar”, isto é , pouca presença rítmica e uma sedosidade transparente. Nessa categoria está o lado B do LP Before and After Science, de Brian Eno, juntamente com Music for Airports e toda a sua fase ambient; Hiroshi Yoshimura também é muito bom, tal como a parte menos rítmica do catálogo da editora Janushoved. Ainda assim, se olharmos mais para canções com refrão, podia dar uma oportunidade a The Painted Word, de Television Personalities, com aquela pop perfeita e despedaçada por momentos de emoção desenfreada, ou a qualquer álbum de Bonnie “Prince” Billy.
De qualquer forma, tem sempre que estar baixinha, porque não quero que a música inunde tudo. Se isso acontecer, o meu corpo pode tentar imitar ritmos e cadências. E pensar que posso dar por mim a foder ao ritmo de uma caixa de ritmos faz-me sentir infeliz. É por isso que tento evitar músicas muito rítmicas ou com muita presença de percussão nas bases, dançar com a pélvis distrai-me do momento.
Ao consultar alguns amigos sobre esta problemática, deparei-me com pessoas que não só concordam comigo sobre isto do ritmo, como odeiam profundamente pinar com música. María, a namorada de um amigo meu, disse-me: “A música desconcentra-me. Tem um ritmo e eu não consigo deixar de pensar que não estou a consegui acompanhá-lo. E quando o acompanho sem querer, sinto-me ridícula. No geral, distrai-me porque me ponho a ouvir as letras”.
Percebo que nem todos pensamos da mesma maneira e foi por isso que, a dada altura, Nacho Vidal [o actor porno] comentou que adorava pinar ao som de Portishead. “Deixa-me muito sensível, ouviria uma e outra vez só para fazer um minete à minha namorada durante uma hora e meia, pelo menos”, justificou Vidal. Aí, a base rítmica está muito presente e talvez seja algo que certas pessoas precisem na hora de fazer sexo, como quando ouves música no ginásio para te dar motivação.
O David é fã de fazer sexo com música e, quando conversei com ele, contou-me que adora fazê-lo com podcasts musicais: “Com a música a tocar de fundo, abstraio-me muito. Costumo pôr programas longos, tipo de uma hora. Ouço musicas que já conheço e muito alto porque, se estiver baixinho, acabo a esforçar-me para ouvir melhor e isso não ajuda muito. Claro, sempre música que não seja em espanhol, isso sim distrai-me”.
No lado oposto está Raúl, um antigo colega de liceu, que me diz que nunca ouve música porque acaba por ligar mais ao refrão do que ao que está a fazer. “Se me dizem para pôr música, claro que tenho que pôr coisas que tenha em casa e essas são coisas de que gosto. Acho que para conseguires pinar com música tens de ouvir coisas que te sejam indiferentes, como Beyoncé ou Miley Cyrus. Se metes músicas que gostas vais estar a pinar, mas demasiado ciente da música. No início aguenta-se, mas chega um momento em que, se estiveres a ouvir uma óptima canção, quando salta o refrão dou por mim mais concentrado na música do que no sexo, entro na música e depois falha-me a tesão, fica mole. É uma questão de prioridades, ganha o sexo ou o refrão? No meu caso, ganha sempre a canção, para meu pesar”.
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Outras pessoas usam a música apenas para dissimular o coito, de modo a que os vizinhos ou o companheiro de casa – agachado na cama no quarto ao lado – não saibam tudo o que está a acontecer. Como um método para esconder grunhidos e gemidos de prazer. Neste sentido, o uso da banda sonora é mais um acto de camuflagem do que de colaboração entre a música e o coito. “Parece-me que a música só tem utilidade durante o sexo se quiseres encobrir o barulho para terceiros”, garante Maria, a miúda que odeia pinar com música e que aparece alguns parágrafos acima.
Mas, onde está o limite? Ao fim e ao cabo, estamos sempre a foder com música. Poder-se-ia considerar música uma televisão de fundo? Eu acho que sim. Todos os ruídos que nos rodeiam e que geramos enquanto pinamos podem ser considerados música. Vai lá dizer que não a John Cage ou a Robert Ashley, ou a todas aquelas pessoas da vanguarda que fazem field recordings, musique concrète ou collages sonoras. A “musicalidade” da música limita-a e coloca-a numa caixa de conservadorismo que não faz sentido.
Ruído é música, a minha cabeça a bater num teclado é música. O barulho de um ventilador ou de uma cama barata partida ou de um hamster a roer uma gaiola de metal ou de vizinhos a gritarem à noite também são música. Mesmo dentro do nosso corpo há ruídos viscerais que devem ser considerados uma banda sonora para as nossas pinadelas. Portanto, por mais que não gostemos de foder com música, estaremos sempre a fazê-lo.
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