Quando achávamos que depois das eleições acabariam as promessas absurdas, vimos, dias atrás, o governador eleito do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC) declarar que pretende incorporar um novo elemento no combate ao crime a partir do ano que vem: o uso de snipers para abater pessoas que portam fuzis nas favelas cariocas.
Parecia ser apenas mais uma declaração amparada na repressão violenta, mas a proposta teve eco positivo entre alguns de seus apoiadores. Muitos eleitores do político ultraconservador apoiaram a ideia de que atiradores de elite ficariam posicionados em helicópteros e atirariam a uma distância de 600 metros contra pessoas portando armas pesadas dentro das comunidades.
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O maior problema prático da proposta, porém, é que, de acordo com dois especialistas em segurança pública ouvidos pela VICE, é quase impossível de se tornar realidade.
Em primeiro lugar, a posse do rifle não autoriza o disparo letal, como propõe Witzel. Outro fator é que o uso de snipers se dá em situação de exceção ou estado sítio, quando direitos constitucionais estão suprimidos. Além disso, dizem as fontes ouvidas pela reportagem, a ausência de uma proposta clara para o tema pode gerar o dispêndio de recursos sem uma resposta efetiva no combate ao crime.
O fato é que, ao propor snipers na favela, Witzel deixa claro que não conhece o trabalho desse tipo de profissional. “Você precisa entender o que é o sniper: é alguém com dom e treinamento para fazer tiro certeiro. Entre os policiais dizemos que ele ‘dorme na mira’ porque ele entra na posição e depende da respiração, entrada do dedo, uma série de coisas. Mas o sniper não fica em movimento. O alvo pode se mexer, mas o sniper não”, explica Ubiratan Angelo, ex-Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ).
“Na ausência de projetos globais, abrangentes e de desenvolvimento do Estado, ele acaba apresentando uma pirotecnia para interagir com o pensamento mais conservador da sociedade”
Lenin Pires, professor do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), também questiona como seria a operação do profissional. “Como você dá cobertura para esse cara atuar? O sniper não entra sozinho em uma região. Ele entra com uma missão específica: abater o alvo específico, cercado por uma logística operacional, respaldado por um comando que acompanhe a situação da área. Hoje não há acompanhamento nenhum”, analisa.
A lógica utilizada por Witzel – a de atirar sem perguntar – tem causado uma centena de mortes no Rio de Janeiro, algumas emblemáticas. Em junho, o jovem Marcos Vinícius, de 14 anos, foi atingido por uma bala perdida no Complexo da Maré, a caminho da escola. Há pouco mais de dois meses, Rodrigo Alexandre da Silva, de 26 anos, recebeu três disparos próximo a favela Chapéu Mangueira enquanto esperava a mulher e os três filhos. Policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), acusados de atirar no garçom, teriam confundido o guarda-chuva com que ele carregava na noite chuvosa com um fuzil.
“O tiro policial passa por vários fatores, dentre eles, a legalidade. O policial só pode atirar em uma única situação: legítima defesa”, afirma Ubiratan. “O policial só deve atirar em alguém na iminência de disparar contra ele ou outra pessoa. A morte do oponente é uma consequência, não um objetivo”, completa.
“Essa é uma proposta beligerante, de eliminação de inimigos e absolutamente contrária ao Estado Democrático de Direito. Na ausência de projetos globais, abrangentes e de desenvolvimento do Estado, ele acaba apresentando uma pirotecnia para interagir com o pensamento mais conservador da sociedade”, aponta Lenin Pires.
Para Ubiratan Ângelo, a proposta pode acarretar problemas para os policiais. “O direito penal brasileiro individualiza a apreciação, o julgamento e a pena. O autor do disparo é quem será investigado, julgado e sofrerá as sanções. Não é o idealizador disso que está em discussão”, completa.
Esta não é a primeira vez que um plano de Witzel causa preocupação. Ele já declarou que pretende manter as tropas das Forças Armadas numa nova edição da Garantia da Lei da Ordem (GLO), mesmo com críticas do Observatório da Intervenção, que já registrou a morte de 74 policiais militares desde março.
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