Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.
A posse de Donald Trump fez as pessoas do mundo inteiro sentirem uma variedade de emoções, e se a raiva e a frustração da esquerda pode ser destilada numa única imagem, é nesse vídeo do supremacista branco e simpatizante do Trump Richard Spencer levando um murro na cara de um manifestante antifa enquanto dava uma entrevista. (Aqui vai um resumo para quem está imaginando por que alguém poderia querer dar um soco nele.) Você provavelmente já viu o vídeo, mas vai aqui de novo:
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Sem surpresa, o pessoal da internet gostou muito, muito mesmo do vídeo, fazendo montagem com músicas diversas e se deliciando com esse ato de violência que foi parte World Star Hip Hop, parte Capitão América, e parte “ah, foda-se esse cara mesmo”.
Mas aquele soco inspirou muito debate. Se você acha que a não-violência é geralmente a melhor resposta, é legal socar alguém que você odeia? Por outro lado, se discorda de quem soca nazistas na cara, você está passando pano para os fascistas? Se você achou a coisa toda conflituosa, tudo bem dar umas risadas com o caso?
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Para colocar um ponto final nisso, liguei para Randy Cohen, especialista em ética com passagem pelo New York Times, a pessoa que geralmente procuro quando me vejo confrontada com dilemas morais.
VICE: Então, socar Richard Spencer na cara, é OK ou não é OK?
Randy Cohen: Não. Nunca é certo dar um soco na cara de alguém, mesmo se as ideias da pessoa são odiosas. Não. Queremos uma sociedade civilizada, na qual as ideias são confrontadas com outras ideias. Não queremos uma sociedade que encoraje violência, onde se alguém tem uma visão política diferente da sua, você pode bater na pessoa. Fora que é moralmente errado em si atacar pessoas, tem a consideração prática de que em uma sociedade onde ideias são respondidas com punhos, todo mundo é socável, e ninguém gosta de levar murro na cara.
A violência contra um inimigo político se justifica se a pessoa não está apenas encorajando violência contra certos grupos vulneráveis, mas sistematicamente cometendo essas violências?
Não como discurso. Mesmo que ele esteja encorajando atos que achamos horríveis, ele não é nosso professor moral, não devemos imitar os métodos dele. Não fazemos isso. Não tem a gota d’água aqui — você não responde com violência. Você tem o direito de se defender se for atacado fisicamente, mas não foi esse o caso.
Mas deve ter uma gota d’água.
Tem um ponto em que encorajar violência se torna crime. Temos leis de assédio e leis contra ataques físicos. Incitar violência é um crime em várias jurisdições. Mas, não. A resposta para isso ainda não é a violência física. O maior exemplo disso ainda é Martin Luther King e o movimento pelos direitos civis dos anos 60. Era um movimento não-violento, era um ato moral profundo. Era um grupo de pessoas que tiveram coragem de manter uma postura não-violenta quando atacadas. Eles não respondiam, o que ainda é impressionante e poderoso, e algo que deve nos inspirar.
Por que você acha que pessoas inteligentes e relativamente civilizadas na vida normal estão tendo prazer com o soco?
Não existe crime de pensamento. Então é difícil não sentir alegria quando um defensor de violência física contra outros acaba vítima do ato que defendia. Não estou dizendo que você não pode se sentir bem quando alguém soca Richard Spencer na cara. Você teria que ser sobre-humano e a pessoa mais moral do mundo para não sentir alguma alegria quando ele recebeu exatamente o mesmo tratamento que defende para os outros. Mas isso não torna a coisa toda certa.
Então é OK rir em particular com o vídeo? E compartilhar?
Isso é problemático, porque aí você está à beira de encorajar ações assim. É muito importante não fazer isso, e não ser um movimento violento. Violência contra ideias impopulares não é permitida. Eu não circularia o vídeo, mas se no fundo do seu coração, você sentiu um momento de alegria vendo Richard Spencer levar um soco na cara, não critico você. Vou criticar não pelos seus sentimentos, mas pela ação de encorajar outras pessoas a socá-lo.
Então o que você deve fazer se vir um nazista? Com certeza há valor em fazer ele sentir vergonha.
Não é uma questão do que você deve fazer naquele momento; e sim do que deve fazer antes de ver um nazista. Se organizar para mudanças sociais, lutar, resistir, ser aliado de movimentos progressistas, sair às ruas nos protestos, escrever para seus representantes locais. Tem centenas de coisas que você deveria estar fazendo, e o que você deve fazer se encontrar algum cretino é uma pergunta trivial. Você pode gritar com ele; você pode confrontá-lo verbalmente. E de certa maneira, isso é bom. É bom lembrar as pessoas de que algumas ideias são tão odiosas que não têm lugar numa sociedade decente, e se ainda pensa assim, você será confrontado e ridicularizado. Mas você não deve responder com socos.
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