Supremacistas brancos não vão se apropriar do meu corte de cabelo

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Um relatório do Southern Poverty Law Center mapeou vários grupos de nacionalistas brancos tentando ganhar território nas universidades dos EUA. Esses grupos de ódio organizados e repaginados visualmente são o novo rosto do fascismo, e sua mensagem de ódio é vendida como uma defesa sóbria e racional do “nacionalismo” ou “identidade cultural”. Esses caras do “bom, na verdade” geralmente esperam gente inocente entrar em seus domínios digitais atirando termos como “racista” ou “nazi”.

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Enquanto eu visitava sites como o Identity Evropa, American Vanguard e outros pântanos em que o racismo vive, finalmente tive que encarar uma verdade difícil que vem me assombrando há meses: todos esses caras usam meu corte de cabelo, e eu precisava descobrir o que fazer sobre isso.

Richard Spencer. Screenshot via canal do YouTube American Renaissance.

Para a maioria das pessoas, existe um — talvez dois — cortes de cabelo que te fazem parecer com um ser humano apresentável, ou até ligeiramente atraente nas mãos de um barbeiro habilidoso. Para mim, o undercut é esse corte. Esse é meu cabelo desde o começo dos meus 20 anos, com algumas experimentações e flutuações de altura e rigidez no passar dos anos.

Às vezes eu me referia brincando ao meu corte de cabelo como “Juventude Hitlerista“, ainda alegremente inconsciente do verdadeiro movimento neo-Juventude Hitlerista borbulhando em fóruns e cidades economicamente decadentes dos EUA.

O visual limpo e ajeitado completa minha estética minimalista, o que exige pouca manutenção e costuma ser difícil de estragar. Essa última característica do corte era particularmente útil porque eu me mudava muito, então encontrar um cabeleireiro só para dar uma aparada nas pontas nunca foi muito problema.

O que não quer dizer que meu tempo de undercut tenha sido uma experiência inteiramente livre de conflitos. Antes de ascender para o Quarto Reich, meu corte era o preferido de outro grupo deplorável: os hipsters.

A definição de “hipster” é uma conversa totalmente diferente que já foi explorada até a morte, mas antes de os “millennials” substituírem seu xingamento do dia, haters do movimento geralmente apontavam para esse corte de cabelo — MEU corte de cabelo — como prova de que alguém era parte do hipsterdom. Agora, tenho certeza que a própria natureza dessa plataforma é o suficiente para muitos de vocês me marcarem com o ferro quente do “HIPSTER”, mas estou fugindo do assunto. Se caio no espectro hipster não interessa. O mais importante é que meu corte de cabelo e eu aguentamos a tempestade, até o estilo se tornar tão onipresente que suposições sobre o tipo de pessoa que o dono dele pode ser se tornaram inúteis.

Mas enquanto a popularidade de Trump crescia na última metade de 2016 e mais de seus simpatizantes da direita alternativa com o undercut ganhavam notoriedade, meu querido corte mais uma vez estava sob ataque. Dessa vez, no entanto, as coisas foram diferentes. Enquanto os hipsters eram relativamente inofensivos e passivamente irritantes, pessoas defendiam uma “limpeza étnica pacífica“, e pior: usando o meu corte de cabelo impecável em suas maquinações diabólicas na TV.


Screenshot via canal do YouTube TYT Politics.

Essa nova ruga racista também não surgiu apenas nos EUA. Bandos de nacionalistas de extrema-direita cresceram como mato pela Europa durante o mesmo período, a maioria usando uma variação do meu undercut.

Meu dilema capilar não é tão simples quanto a polêmica do New Balance, afinal eu posso simplesmente parar de apoiar a marca com o meu dinheiro e usar produtos de qualquer outro fabricante de tênis por aí. (Aliás, a New Balance já denunciou explicitamente os supremacistas brancos.) Mas pela própria natureza disso estar enraizado na nossa cabeça, um corte de cabelo pode ser tão utilitário quanto um par de meias e tão íntimo quanto uma tatuagem. É a convergência do nosso corpo com a identidade escolhida. E com esses nazis chupinhando meu estilo, sinto uma pressão social para mudar como EU me apresento para o mundo.

Ler o relatório do SPLC finalmente cristalizou a questão para mim. Depois de meses de hesitação, percebi que mudar meu corte de cabelo simplesmente porque não quero ser associado a supremacistas brancos é ceder para sempre o undercut ao inimigo. Os nazistas roubaram e mancharam para sempre a linda suástica hindu e depois cooptaram o simpático e pacífico Pepe. Eles não têm nenhum direito de nascença sobre o corte que nossos antepassados originalmente desenterraram da era Eduardiana. Não vou simplesmente desistir e deixá-los se apropriar desse corte simplesmente porque querem.

Isso vai além de bater o pé e se recusar a deixar o inimigo tirar algo de nós. Esses supremacistas brancos acreditam tolamente que, quando a guerra racial global que eles tanto querem começar explodir, os lados serão facilmente identificáveis. Afinal de contas, o suprimento de melanina é tudo que é preciso para tornar alguém um combatente inimigo na realidade deles. Se tal distopia hipoteticamente se manifestar (e não vai), esse viés seria sua ruína se bandos de caras em cortes de cabelo como o meu desafiassem sua suposição de “lealdade de raça” e minassem seus esforços por dentro.

Não estou eternamente casado com esse corte. Meu estilo mudou com os anos, e reconheço que vai continuar a se metamorfosear com o tempo. Mas quando ele mudar, quero que seja por minha vontade, e não porque algum babaca intolerante passou da despreocupação total com higiene pessoal para a pomada de cabelo.

Quero encorajar aqueles como eu — pessoas com poucas opções no coiffeur, mas uma aversão a ser colocadas no mesmo saco que neonazis — para se levantar, manter seu corte e lutar contra a intolerância sempre que testemunhá-la, tirando forças da confiança que vem de saber que você está no seu melhor visual.

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Tradução: Marina Schnoor

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