Uma tatuadora explica porque tatuou os olhos

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Austrália.

Estou longe de ser a pessoa mais hesitante do planeta, mas, quando se trata do meu corpo, 10 anos a estudar e trabalhar com química e medicina deixaram-me muito avessa a riscos. Preciso da minha saúde para trabalhar bem e aproveitar o meu tempo de lazer. Portanto, colocar isso em risco não me parece que valha a pena. Da lista de coisas que não faço constam: usar drogas recreativas, fazer cirurgias cosméticas desnecessárias, ir para a cama com alguém que não sei se tem DSTs, beber e conduzir e… tatuar os meus globos oculares.

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Pode parecer uma coisa estranha para acrescentar, mas a tatuagem nos olhos tem recebido muita atenção da comunicação social ultimamente. No dia 19 de Fevereiro último, o governo da Nova Gales do Sul, na Austrália, legalizou a prática depois de acrescentar várias directrizes de saúde. Desde então, os governantes têm recebido várias críticas, tanto do Partido Trabalhista australiano, como de profissionais de saúde que dizem que é uma prática muito perigosa. 

A oftalmologista Chandra Bala foi mesmo ao programa de televisão local Today Tonight dizer que o procedimento é “ir longe demais” e que “não vale o risco”.

Ilustrações por Michael Dockery

Para tatuar os globos oculares é preciso injectar uma pequena quantidade de pigmento, directamente abaixo da córnea. A tinta fica “ensanduichada” entre a córnea e a esclera, que é a parte branca dos olhos. O pigmento espalha-se entre as camadas e cobre permanentemente o branco. Normalmente são necessárias várias injecções para cobrir o globo ocular inteiro.

A técnica foi criada há quase uma década por um tatuador de Melbourne chamado Luna Cobra que, desde os seus testes iniciais com três voluntários, aprimorou a técnica e tatuou quase uma centena de pessoas. Apesar de nenhum cliente de Cobra ter tido qualquer problema até agora, ele inspirou alguns imitadores não tão meticulosos. Muitas pessoas relataram problemas de curto prazo, incluindo dores de cabeça prolongadas e manchas no tecido ao redor dos olhos.

Alguns descreveram uma sensibilidade aguda à luz devido ao excesso de tinta injectada de uma só vez. Outros riscos incluem infecção, inflamação, cegueira e até a perda do olho. Cobra alertou no seu site para o facto de imitadores com pouca experiência já terem causado cegueira a clientes: “SIM, PESSOAS JÁ FICARAM CEGAS POR TATUAREM OS OLHOS”. Além disso, como o procedimento é novo e experimental, os efeitos a longo prazo são desconhecidos.

Como alguém que nem um cigarro fumaria, para mim, tatuar o globo ocular parece, simplesmente, uma loucura. Com todos os potenciais riscos e outros ainda desconhecidos, porque é que alguém faria isso?

Kylie Garth é uma tatuadora e body piercer sediada em Perth, Austrália. A sua habilidade, profissionalismo e capacidade de me fazer rir quando eu mais precisava, ajudaram-me a sentir-me completamente confortável quando, no ano passado, fiz um piercing no nariz. Outra coisa marcante em Garth é o seu corpo, que é realmente uma obra de arte.

Como muitas pessoas com modificações corporais, Garth diz-me que os seus “mods” são uma expressão da sua personalidade e um meio de exercitar a sua identidade. Mesmo tendo demorado algum tempo para aceitar a tatuagem nos olhos, ela acabou por decidir tentar, não só porque achou o resultado “do caralho”, mas porque sentiu que arriscaria o mínimo possível ao fazê-lo.


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“Com todos os meus mods e piercings, conheço as pessoas, pelo menos as do estúdio onde trabalho, então sei que tudo é muito limpo e conheço o nível de habilidade do tatuador”, diz. A única pessoa em quem Garth confiaria para tatuar os olhos era, precisamente, Luna Cobra, seu colega na altura, e foi com ele que realizou o procedimento com sucesso. Ter alguém sem prática a tatuar-lhe olhos, nunca foi uma opção, já que Garth depende de sua visão para fazer o seu trabalho e não podia arriscar. “Muitas coisas podem correr mal na tatuagem de olhos. Podes ficar cego. Imagina se eu ficasse cega? Seria uma merda! Que tipo de seguro cobre isso?”.

Garth não sentiu nenhum efeito colateral de curto prazo do procedimento, mas eu queria saber se ela já tinha pensando em consequências de longo prazo. “É só um bocadinho de fluído [injectado no olho]”, salienta, antes de mudar de tom. “Sim, fiquei preocupada, mas ainda ninguém relatou problemas. Ninguém dessa primeira leva teve qualquer problema”.

Na verdade, parece que a reacção das pessoas, ao contrário da própria tatuagem, é o que apresenta mais riscos. “Ser uma mulher com um visual alternativo, estranho… as pessoas reagem de maneiras engraçadas”, diz. “Algumas pessoas julgam-me e podem até impedir-me de aceder a algumas oportunidades. Há o risco de amigos e familiares não gostarem; tanto que podem até nem querer estar contigo. Essas coisas são reais”.

Kylie Garth apresenta argumentos convincentes, mas acho que continuo a preferir os meus globos oculares brancos.

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