Quando o produtor anônimo TB Arthur apareceu do nada em dezembro do ano passado, muita gente ficou desconfiada – com toda a razão. Afinal, vivemos em um tempo em que os DJs se cobrem de mistério com o ar de um mágico rodopiando sua capa de lantejoulas. Quando dizem “DJ anônimo!”, normalmente escuto “jogada de marketing!”
Não ajudou o fato de que tudo no TB Arthur parece perfeitamente arquitetado para encantar os fãs de techno e os fetichistas do vinil. Primeiro tem o nome, “TB” Arthur, presumivelmente uma referência ao Roland TB-303, a máquina que deu à luz ao acid. Além disso, tem o seu passado intrigante: TB Arthur supostamente é um produtor de Chicago esquecido que fazia um techno profundamente psicodélico nos anos 90. Depois de enfrentar problemas financeiros, ele saiu de cena, e teria sido varrido pela história se um antigo parceiro não tivesse desenterrado seu material e decidido vendê-lo para algumas distribuidoras.
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Finalmente, há o fato de que a Hard Wax – uma respeitada distribuidora de techno de Berlim – tenha dado o seu carimbo de legitimidade à história toda. Um representante da Hard Wax disse a Pitchfork que eles morderam a isca quando viram um “MMJR” gravado nos discos – um sinal de que as prensagens de teste originais foram feitas na Metropolis Mastering Chicago, uma fábrica lendária que fechou em fins dos anos 90. É claro, todo mundo cagaria para este grande mistério se a música não fosse boa. ?”tima, até.
Aqui vão duas faixas que o representante e ex-parceiro do TB Arthur, que se recusou a divulgar sua identidade, nos mandou. (Por conveniência, vou presumir que é um cara.)
Como o resto dos lançamentos de Arthur até agora, “Samba” e “Crybaby” são pérolas de um acid techno delicadamente dissociativo que ao mesmo tempo soa familiar e longínquo, parasitando os seu tímpanos como uma chamada telefônica de longa distância feita de algum armazém empoeirado parado no tempo. Talvez seja digno de nota: “Crybaby” é a faixa que você ouve ao fundo quando liga para o número de telefone impresso na arte dos últimos quatro discos de Arthur. (Para os preguiçosos ou ocupados, ligar para este número não vai te dar as coordenadas para uma rave ilícita, infelizmente. Em vez isso, uma voz feminina, de maneira anticlimática, vai te pedir para deixar seu nome e e-mail.) Rastreei a localização desse número e parece que bate com a história – é um telefone fixo registrado desde 2000 na região central de Chicago.
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De acordo com o representante de Arthur, que concordou em responder a algumas perguntas por email, essas duas faixas são parte de um “arquivo de material considerável”, cuja fonte são as fitas master das sessões de estúdio do TB. Elas são inéditas e não aparecem no EP Tracks From the DAT, lançado no mês passado. O resto do catálogo de Arthur, até agora, totaliza três EPs lançados em 2014, intitulados simplesmente TB Arthur 1, 2 e 3. A fonte dos discos são prensagens de teste que nunca foram distribuídas nos anos 90. “As matrizes dos dois primeiros sobreviveram. Visualmente, foram feitos no espírito das prensagens de teste originais. TB Arthur 3 é uma reedição, as matrizes desse se perderam”, ele diz. Já que o representante pagou pelo aluguel do estúdio naquela época, ele alega agora ser o dono de todas as gravações.
O representante conheceu Arthur em um clube de Chicago chamado Medusa’s no começo dos anos 90. “Naquela época, nosso selo favorito era o Wax Trax, mas acid e outras coisas tocavam no Medusa’s. Éramos apaixonados por música e a nossa jornada começou. Algum tempo depois, o TB me deu uma fita demo. Decidi me tornar o selo”, conta ele, que deu ao empreendimento o nome Test Pressing 312 Records.
“Vivíamos chapados, o que não é uma boa base para qualquer planejamento sólido de negócios”, complementa.
Quanto à intriga e obsessão que os lançamentos do TB Arthur inspiraram na comunidade underground do techno, o representante de Arthur acha que tudo se resume ao fascínio que os anos 90 representaram: um tempo em que a dance music era mais tribal e feita para a comunidade de pessoas que a apoiavam. “As pessoas não podiam pesquisar no Google os DJs que promoviam eventos ilegais, e o anonimato era incrivelmente útil para salvar a sua pele”, ele explica. “O anonimato também dava sustentação à ideia de que a música era da comunidade, maior do que o indivíduo. A abnegação é um tema comum quando psicodélicos estão em jogo, e ‘underground’ tinha um contexto diferente.”
“Além disso”, ele continua, “a festa do ‘olhem para mim’ é um evento ao qual ninguém deseja comparecer, certo? Não é divertido, não é interessante, mas, infelizmente, é um sinal dos tempos de hoje.”
Claro, o fascínio provocado pelo anonimato na era dos DJs superstar é óbvio. Uma audição pura, sem prejulgamentos, é um privilégio, e o anonimato se provou uma ferramenta eficaz para garantir que as pessoas assimilem a música sem ideias pré-concebidas. “O techno não ter um rosto tinha objetivos ideológicos”, Philip Sherburne escreveu em uma crítica recente de Power of Anonimity, do Steffi, no Ostgut Ton. “Era um lembrete de que o individuo era menos importante do que o coletivo.”
Mas o anonimato tem um lado negativo. Na era da informação, nada inspira mais uma investigação obsessiva do que uma informação negada. (Culpada.) Dizer simplesmente “ouça esta música” para alguém é tão eficaz quanto falar para uma pessoa parar de se coçar quando ela sente uma coceira. Managers espertos e o pessoal das relações públicas já descobriram isto, e é por isso que, além de caras como Redshape e Head Front Panel, também temos artistas pseudo-misteriosos como ZHU e Claptone.
Em última análise, conservo uma boa dose de ceticismo de que tudo isto possa ser um engodo. Mas o representante de Arthur insiste que não há nenhum DJ sorridente esperando nos bastidores para reivindicar a identidade de Arthur daqui alguns meses. “Seria muito engraçado, além de uma mentira descarada, se outra pessoa reivindicasse a autoria das jams do TB”, ele diz. “Coisas mais estranhas já aconteceram na história do house de Chicago.”
Michelle Lhooq é editora assistente do THUMP. Siga-a no Twitter.
Tradução: Fernanda Botta