Na última vez que conversamos com Graham Johnson, ele estava cercado por paradas de ônibus pegando fogo, adolescentes aos berros e estava sangrando com um corte na cabeça depois de ter sido atingido com um naco de concreto. Desde então, as coisas se acalmaram o bastante para o Graham lançar seu novo livro Gang War, sobre as gangues de crianças fortemente armadas batalhando pelo controle das ruas de Liverpool. Já que o Graham é o nosso cara favorito quando queremos saber onde e como a próxima treta vai rolar, batemos um fio pro cara para conversar.
Vice: Ei Graham. Você já nos falou das gangues de crianças em Liverpool. Por que começou a escrever sobre elas?
Graham Johnson: Estava trabalhando como um jornalista investigativo para o Sunday Mirror e o News of the World. Inicialmente, trabalhava mais com os manda-chuvas da parada. Mas em 2005 percebi que muitas das jovens gangues nas ruas estavam se tornando mais poderosas. Estavam ficando agressivas e armadas até os dentes.
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Então acho que foi um combo campeão de juventude e violência sociopata, certo?
O que era, na verdade, era que eles pareciam completos loucos. 50 deles por vez andavam nos shoppings vestidos com as melhores roupas para todos os climas; marcas como North Face e Lowe Alpine, sempre de preto. Todos tem idade entre 14 e 17 anos, e enquanto estava com eles, vi os jovens armados com SA80s – sabe o rifle do exército britânico? – e metralhadores montáveis como as do Rambo. E eles tinham explosivos caseiros também.
Explosivos? O Talebã não usa isso pra explodir tanques no Afeganistão?
Sim. Há dois tipos de explosivos que eles usam – de baixa explosão, que são um pouco mais perigosos que fogos-de-artifício. Os mais jovens fazem esses pra espantar as pessoas. E tem os explosivos de verdade, que eles compram de membros mais velhos das gangues. Eles são feitos de folhas de metal envoltos em explosivos e estilhaços. Me lembro de um jovem me dizendo como viu um desses explodindo uma porta de uma casa.
De quem era a casa?
Os membros das gangues mais velhas estão sendo aterrorizadas por esses jovens. Eles tiveram que por portas de metal em suas casas para evitar que eles entrassem. O que mostrava que os jovens, que sempre foram mais fracos, agora estavam tomando o poder dos cartéis mais velhos e mais organizados. Eles sabem, no entanto, que precisam obedecer a hierarquia de alguma forma, porque senão os negócios não andam. As hierarquias podem lhe dar acesso a grandes negociações de drogas, e a opção de trabalhar na Espanha e em Amsterdã.
James “Panqueca” Taylor
Então existem grandes “estrelas em ascensão” no mundo das gangues no momento?
É isso aí. Eles simplesmente atropelam os ranques. Tem um cara chamado James “Panqueca” Taylor. Ele é tipo uma figura mítica entre essas gangues, porque ele cresceu de ser um soldado de rua para um chefão europeu em meses. Normalmente leva anos para isso acontecer.
Você notou alguma outra mudança?
Sim, há mais enfase no lado sexual das coisas. Seus celulares estão cheios de filmes deles e de seus companheiros fazendo sexo com garotas. Eles parecem ser estupros de gangues pra mim. Ou, pelo menos, filmes de exploitation – as garotas normalmente estariam chapadas ou bêbadas. Comecei a ver anúncios em jornais locais falando, “Minha filha foi estuprada uma dessas noites, alguém sabe algo sobre isso?” Isso era parte da cultura e achei difícil lidar com isso.
Por que você acha que eles estão se comportando dessa maneira?
Quando eu ou você estávamos crescendo, conversávamos com uma menina em uma balada, ou a levava ao cinema. Esses jovens não estão interessado nisso. Eles vem de famílias do crime, alguns dos seus pais são drogados, então eles querem fazer o mesmo e ficam agressivos. Eles não tem ideia de como conversar com uma garota, então eles pagam por uma prostituta – o que eles fazem com 15, 16 anos – ou “acabam” com essas pobres garotas.
Outra mudança foi entre a polícia. Eles tem unidades militarizadas anti-gangues. A Matrix em Liverpool, a Excalibur em Manchester, o Territorial Support Groups em Londres. Eles são todos veteranos do Iraque e do Afeganistão, armados até o dente.
Então todos estão ficando mais perversos, basicamente.
Sim, é como uma guerra de armas. É emocionante pra mim, como escritor, mas isso me assusta.
O Reino Unido não tem um histórico de crianças se matando com armas, não é? As gangues do Reino Unido sempre preferiram uma treta da boa, old-school, normalmente armada de armas a disposição, como pás, tijolos, raquete de tênis, canos achados na rua etc. Por que houve a mudança?
Já ouvi culparem videogames, rap, rock, as escolas, pais ausente, benefícios do governo, TVs. Mas a principal razão é a extrema forma de capitalismo no nosso país. Em todos os lugares isso está acontecendo – partes de Londres, Liverpool, Manchester – uma economia criminal “negra” cresceu simultaneamente com a economia legal “branca”. O que estamos vendo é o produto de 30 anos de evolução da economia negra. Liverpool tem um dos maiores cartéis de drogas na Europa hoje em dia, se não do mundo. Para essas crianças, é o clássico lance do Scarface – é mais rápido ganhar status e riqueza se você entra nessa economia ilegal do que se jogasse de acordo com as regras. Há grandes lojas que dominam hoje em dia os shoppings. De um lado, as lojas de parafernálias de drogas e do outro as de parafernálias do Scarface.
Isso é bem clichê, não é?
Sim, mas eles tem o pôster do Scarface na parede, e logo ao lado uns desenhos de armas. Então eles tem as paredes cheias de Colt Commandos ou AK-47s.
As armas são os novos rock stars. As novas pin-ups dos jovens.
É isso aí, sim. Escuta: eles são como Mike Tyson, eles não tem ídolos, eles não vão para as partidas, eles acham que todos os jogadores de futebol são perdedores, eles tem apenas interesses em armas e gostam disso. É tudo sobre o que falam.
Se as gangues de Manchester, Liverpool e Londres tivessem uma briga, quem iria ganhar?
Não sei quem ganharia. Ninguém ganharia. Seria ou apenas um enfrentamenta ou uma batalha sangrenta porque todos tem armas. Eles são bem espertos também. Eles veriam isso como uma oportunidade de fazer negócios juntos.
Foi fácil conversar com eles? Eles te odiaram no começo?
Fui a um shopping um dia, saí do meu carro e fui até eles. Tive medo, porque alguns repórteres foram ameaçados e alguns espancados em seus carros. Foi depois que o Rhys Jones foi morto, então havia muita tenção. Mas uma vez que eu quebrei o gelo com eles, ficou tudo bem.
Tirados do Mersey Infanticide, tirado por Stuart Griffiths
Você presenciou algum momento de ternura ou compaixão enquanto estava com eles? Ou eles realmente são os sociopátas sem esperança que todos pensam que são?
Muita ternura, compaixão e simpatia. Eles tinham um furgão parado no shopping onde eu ia para fumarem maconha. Ele colocavam Scarface de fundo e conversávamos. Me lembro que havia esses dois irmãos durões, e um dia o mais velho foi até o furgão. Ele tomou um tiro na bunda. Ele esticou uma linha de coca a caminho do hospital no dia seguinte, o que é um anestésico das ruas pra ele. Depois que ele foi checado, ele estava andando de bicicleta com a bunda aparecendo, quando um terceiro irmão apareceu, e que era gay. Ele trabalhava como barman na Espanha e ele veio com o seu amigo também gay. Eles foram aceito na comunidade das gangues na hora e ninguém se incomodou com isso. Eu não esperava isso. Eles simplesmente deixarem esse cara viver a vida gay e glamorosa dele na Espanha e não julgá-lo. Isso me mostrou que eles tem compaixão e tolerancia.
Me lembro de ver uma de suas mães também, que estava doente da cabeça. Ela andava pelo shopping de pijama, e eles realmente a protegiam, os membros das gangues.
Então eles são seres humanos.
Em termos largos sim, eles querem o que queremos. Carinho, amigos, liberdade – porque eles não tem liberdade, sabe? São tão oprimidos pela polícia militarizada, e os adultos os odeiam. E os temem. Então não há muita liberdade.
Acho que você está falando de uma liberdade emocional. Acho que a liberdade que lhes falta é a habilidade de se comunicar com outras pessoas no mesmo nível.
Sim, acho que o produto dessa frustração é sobre o que é o livro – para onde isso está indo quando a polícia militarizada não os contém? Você terá o exército nas ruas? Se houver alguma manifestação no futuro, não acho que a polícia vai ter qualquer problema em usar o equipamento militar eles compraram – o Jankes [transportes de unidades blindados], as metralhadoras Heckler e Koch, os robôs espiões BAE.
Um Jankel
Acho que uma coisa é a polícia atirar em gangues. A sociedade não tem problemas em vê-los como criminosos. Mas se os manifestantes e as próprias manifestações ficarem cada vez mais populares, onde é traçada a linha entre um membro de gangue e um protestante desobediente civil? O que acontece se a polícia começa a atirar na classe média?
Não acho que farão isso. Não acho que vão atirar nos anarquista manifestando o Casamento Real. Mas acho que eles com certeza vão atirar se houver uma manifestação na área de Woolwich, Plumstead, Norris Green ou sei lá o que. As tropas atirariam em seu próprio povo? Definitivamente. Estamos vendo isso em todo o mundo agora, e data mais de 180 anos, até o Movimento Cartista. Se é isso que a elite tem que fazer para se manter no poder, eles o farão.
Esse é o cenário mais pessimista, eu presumo.
Sim. O exército vai para as ruas, as empresas de segurança privada entram em jogo. As crianças no shopping foram desligadas e afastadas em zonas de exclusão de gangues. Isso é sobre as táticas de contra-insurgência que os soldados do Afeganistão e do Iraque aprenderam. Também funciona como treinamento caso as hostilidades dentro do país cresçam como nos países em guerra. Não sou apenas eu que digo isso, também – há alguns professores, acadêmicos no nordeste do Reino Unido que estão dizendo que é essa a situação que estamos criando.
Estamos muito longe dessa situação?
Pode estar logo aí, com os cortes e a tensão crescendo nas cidades. Será a próxima Brixton, ou Toxteth ou Handsworth, a próxima onda de distúrbio urbano pode ser esse cenário. E não seria algo bom.
O livro Gang War por Graham Johnson está disponível em formato eBook em todas as livrarias online e em papel no www.mainstreampublishing.com.
TEXTO POR KEV KHARAS VICE UK
TRADUÇÃO POR EQUIPE VICE BR