No ano passado, o governo norte-americano celebrou a derrubada do site de venda de drogas na deep web (a versão underground e bem menos rastreável da internet) AlphaBay. Foi uma empreitada que o FBI descreveu como “uma das mais sofisticadas e coordenadas operações já realizadas no mundo inteiro”. O promotor-geral Jeff Sessions se comprometeu a incluir operações relacionadas a venda de drogas pela internet em sua renovada e controversa guerra contra o tráfico, mas veja só você: entorpecentes agora vem sendo comercializados de forma muito menos discreta e em um local muito mais surpreendente, no Facebook.
Cabe mencionar que o Facebook tem regras claras quanto ao comércio de drogas em sua plataforma. Como declarado nas regras da comunidade, “proibimos a tentativa de indivíduos, fabricantes e comerciantes de venda e compra de drogas não-medicinais, fármacos e maconha”. Isto significa que os usuários podem denunciar contas ligadas à venda/compra de drogas quando se depararem com alguma destas, mas não impede a criação das mesmas. E até mesmo perfis de vida de curta podem ter efeitos prejudiciais para usuários do Facebook.
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O Facebook abriga uma série de grupos voltados à reabilitação em que pessoas com problemas ligados ao vício podem buscar ajuda ou conversar com terceiros que passam pela mesma situação. O apoio por parte da comunidade há muito é considerado uma pedra fundamental da recuperação, mas estes grupos online tem um papel de destaque na vida de pacientes de metadona e buprenorfina. Muitas vezes excluídos de reuniões do tipo narcóticos anônimos graças à regulamentações pseudo-oficiais que vão contra a sobriedade assistida por medicações, estes grupos específicos permitem que uma população estigmatizada tenha acesso à comunidade e apoio que buscam.
As redes sociais são um recurso inestimável para quem espera conhecer outras pessoas com os mesmos interesses que os seus que talvez não se sintam confortável em falar sobre estes na vida real, afirma Karen North, diretora do programa de redes sociais digitais da Universidade do Sul da Califórnia – Annenberg. “Pessoas que vem sofrendo com o vício talvez não queiram discutir o tema com gente do trabalho ou colegas na escola, mas elas precisam e querem encontrar algum tipo de apoio. A internet possibilita exatamente isso: encontrar uma comunidade cheia de empatia, que se importa com você”.
Infelizmente, é esta mesma internet que faz destas pessoas alvos para traficantes no Facebook.
Brandon Hicks, de Ashland, Kentucky, entoru em diversos grupos de pacientes de metadona no Facebook após ter começado seu tratamento ao final de março. Ele afirma que solicitações de amizade e mensagens esquisitas logo tiveram início. Brandon compartilhou conosco o print de um perfil que desapareceria ao longo da semana, comentando ainda que este era só o exemplo mais recente de uma série de contas semelhantes que lhe enviavam pedidos de amizade.
No print, a foto de perfil revela aquilo que parece ser uma pacoteira de Xanax, já a foto de capa mostra um saco de onde caem caixas sortidas de diferentes medicamentos. Outras fotos compartilhadas no perfil mostram cartelas e mais cartelas, algumas com rótulos como “diazepam”e um recadinho ali pelo meio, onde pode-se ler em caneta vermelha um número de telefone. Há duas versões desta imagem; uma com o ano “2018” escrito acima do número e outra rotulada como “2017”. Quando entrei em contato com o dono deste telefone, ele se apresentou como “um homem de negócios que mexe com remédios”, afirmando que sua “conta de negócios” havia sido deletada por seu filho.
Hicks afirma que tais tentativas direcionadas de marketing não impactaram sua recuperação, motivada por três overdoses ao longo de uma semana pouco antes do início de seu tratamento em março. Ainda assim, ele acredita que estas pessoas não deveriam estar no Facebook e tentou denunciá-las o máximo que pôde – mesmo sem retorno algum do Facebook.
Ao entrar em contato com a rede, um de seus porta-voz afirmou não poder comentar as denúncias em específico, mas explicou que violações de conteúdo não são flagradas imediatamente pois dependem da forma como é feita a denúncia. A foto de algumas pílulas, por exemplo, não necessariamente violam as regras do Facebook, então caso esta foto seja denunciada, passaria batido. Uma conta oferecendo drogas pelo messenger, por sua vez, seria derrubada.
Ao me passar por uma cliente em potencial para uma destas contas, logo dei de cara com seu marketing agressivo, que parece contar com diversos perfis que duram pouco tempo, usado para trocar números de telefone com possíveis clientes. Um perfil já deletado chamado “Chad Bacon” me disse via quen messenger que só mandaria seu catálogo de produtos via SMS. Assim que lhe repassei meu número, recebi o menu completa, que tinha de Xanax a fentanil e quaaludes com desconto em preços de atacado. Também comecei a receber ligações quase que diárias, fotos não-solicitadas de pílulas e prints de mensagens de gente com nomes de aliteração suspeita que afirmavam estar felicíssimas com a entrega rápida de seus pedidos.
Heather Waters, de Danville, Kentucky, é moderadora do grupo Faces of Opioids e dedica-se à relembrar aqueles cujas vidas foram tomadas pelo vício. Ela me conta sobnre uma conversa que teve com um destes perfis vendedores de remédios quase igual ao que falei. De acordo com seu relato, o responsável queria que ela lhe pagasse por alguns comprimidos de oxicodona via MoneyGram. Heather comenta ainda que ela e outros membros de seu grupo denunciaram tal perfil, que não havia sido removido até que eu entrassem em contato com o departamento de RP do Facebook sobre o assunto em 18 de junho.
“Sabia que era golpe desde o começo”, afirma Waters – uma possibilidade bem plausível. Um cenáriop mais assustador é de que as pílulas entregues não sejam aquilo pelo qual o comprador pagou, podendo ser alguma substância muito mais perigosa. Quando acreditava que eu era uma cliente em potencial “Bacon” admitiu no messenger que seu Xanax não era puro: uma mistura de alprazolam (ou o que ele bem entendesse) com um material qualquer de forma a imitar o Xanax original. Nenhuma das fontes com quem conversei chegou de fato a realizar pedidos – mas se estes perfis realmente comercializam tais drogas ou só estão passando a perna nas pessoas é outra questão, o fato é que estão usando uma plataforma social para atingir uma população especialmente vulnerável.
North está preocupada que tais tentativas de vender drogas para grupos fragilizados seja apenas a “ponta do iceberg”, mencionando o escândalo da Cambridge-Analytica e as eleições que explodiu no começo deste ano, em que o Facebook também foi peça cnetral, ela afirma que “tem gente que se profissionalizou e é ótima em criar conteúdo para determinado público”. Ela sugere que administradores de grupos e outras pessoas em posições favoráveis dentro da plataforma informem os usuários sobre estes comportamentos predatórios o quanto antes, de forma que saibam como lidar com estas solicitações de amizade e mensagens. “É quase como uma imunização psicológica”, disse.
O porta-voz do Facebook com quem conversei afirmou que a plataforma está ciente do problema e por mais que não tenham como coibir a criação de perfis deste tipo, estão trabalhando no desenvolvimento de estratégias de previsão deste tipo de comportamento predatório. Em 19 de junho uma nova funcionalidade foi lançada em que usuários em busca de opióides ou drogas são redirecionadas a páginas de apoio.
Enquanto isso, os moderadores do Faces of Opioids e demais grupos continuam a combater estes perfis perigosos, preocupados que tais ofertas de drogas acabem por colocar em cheque a recuperação dos membros de suas comunidades ou afetar pais que sofrem com a perda de seus filhos para o vício.
Matéria originalmente publicada na VICE US.
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