“Triple L”. Os melhores filmes, séries e álbuns de 2018

O actor Dogu Demirkol, no filme "A Pereira Brava", o disco "7", dos Beach House e a actriz Beatriz Batarda, na série "Sara"

A duas semanas de 2018 fechar a loja, as listas de preferências e balanços do ano avolumam-se. Com este “Triple L” (numa alusão à sociedade moderna que vive sob a avaliação das agências de rating), espelhamos um pouco do que se passou na Música, nas Séries e nos Filmes.

E porquê “um pouco”? Porque quaisquer outros balanços são respeitáveis e, simultaneamente, qualquer tipo de resumo é subjectivo (no meio da impossibilidade de estar a par de tudo, qual o dilema que mais conta? O objecto artístico que teve mais impacto junto do público, ou o gosto pessoal de quem critica aliado à consistência dos intervenientes em cada uma das áreas?). Em complemento às três listas, incluímos vinte tópicos para relevar outros aspectos dos últimos doze meses.

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Faz bom proveito dos eleitos aqui citados e deixo-te, desde já, os desejos para que tenhas um 2019 cheio de saúde cultural.

SÉRIE – TV SHOW – SERIADO

Chorar de contentamento pelo aparecimento do ovni “SARA”

“E que tal uma actriz que não consegue chorar e, a partir daí, desenvolver um enredo à volta dos seus fantasmas e frustrações, de um pai que não fala e retratar com comicidade algumas incongruências do meio artístico?”. Este podia ser o repto que Bruno Nogueira lançou aos outros autores (o escritor Ricardo Adolfo e o realizador Marco Martins) antes de avançarem com o que viemos a conhecer por SARA (ver vídeo acima). O que ele não sabia é que esse conceito disruptivo, transformou o olhar de muito boa gente para o que se faz cá dentro e deu um novo tiro de partida no audiovisual. Esta criatividade merece ter o natural seguimento. Que nasçam mais “Saras”.

Se és daqueles que esmoreceu pela partida deste “ovni” da nossa televisão, alegra-te. Podes rever – e deves recomendar aos teus conhecidos – os oito episódios disponíveis no RTP Play. Se o fizeres, quem sabe se a Sara Moreno (Beatriz Batarda) te arranje uma consulta gratuita no seu terapeuta – ver promo abaixo – ou o João Nunes (Nuno Lopes) te convide a beber um Bailey’s em sua casa…

Num ano em que House of Cards teve uma despedida inglória e sentimos a falta de Games of Thrones e de Stranger Things, houve outras séries que nos prenderam ao ecrã. Do Brasil, levámos uma lição de como a corrupção funciona nos dias de hoje com O MECANISMO (cada país tem o seu?).

Na mesma óptica, somos confrontados com os esquemas da alta finança em BAD BANKS – numa produção que junta alemães e luxemburgueses. Dinheiro também não falta nos cartéis de droga, que continuam a dar excelentes estórias baseadas em factos verídicos, no Continente Americano. EL CHAPO é um fiel depositário do que se vê em Narcos.

Destaque ainda para a alucinante última temporada da espionagem russa em THE AMERICANS; para o temor por actos terroristas em Inglaterra via BODYGUARD (apimentado pela relação de uma ministra com um dos seus seguranças); na promiscuidade entre dois encarcerados e uma funcionária do estabelecimento presidiário – falamos de ESCAPE AT DANNEMORA, com tiques de Fargo; e o conjunto de assassinatos “com razão de ser” no francês LE CHALET. A fechar, palmas para a junção nerd de um adolescente psicopata com uma parceira rebelde em THE END OF THE F***ING WORLD e, claro, temos de saudar o fenómeno espanhol, LA CASA DE PAPEL, que se tornou viciante e que terá novos episódios em 2019.

Dez séries merecedoras de binge-watching em 2018

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“O MECANISMO”. A convulsão social no Brasil deriva também da normalização da corrupção na classe política. (Cortesia Netflix)

01. SARA (RTP)

02. O MECANISMO (Netflix)

03. LA CASA DE PAPEL (T2/ Netflix)

04. BAD BANKS/Crise (RTP2)

05. THE END OF THE F***ING WORLD (Netflix)

06. EL CHAPO (T3/Netflix)

07. ESCAPE AT DANNEMORA (TV Séries)

08. BODYGUARD (Netflix)

09. THE AMERICANS (T6/Fox Crime)

10. LE CHALET (Netflix)

FILME – MOVIE – PELÍCULA

Debate de ideias no regresso de um filho da terra (ou o escritor incompreendido e amargurado com a realidade como ela é)

Dezembro 2018. O reinado opinativo da demência parece que veio para ficar. Através da influência das redes sociais e das larachas extremistas de certos líderes políticos, discutir saudavelmente parece coisa do passado e os momentos acintosos vão sendo comuns. Perde-se o essencial: a civilidade na troca de pontos de vista. A razoabilidade está em vias de extinção?

Com The Wild Pear Tree/A Pereira Brava (ver trailer acima) voltamos, de certa maneira, a ser humanos por completo. Sinan (protagonizado por Dogul Demirkol) é um jovem turco, acabado de terminar a licenciatura em literatura e que regressa à terra que o viu nascer. O seu grande objectivo é ver o seu primeiro livro publicado. Para que essa intenção se concretize, tem de enfrentar vários obstáculos, entre os quais, a débil situação financeira da família – o pai está endividado e continua “agarrado” ao jogo. Em contrapartida, é quando Sinan caminha pelas ruas a fazer pela vida ou encontrando uma velha conhecida, que tudo ganha uma elevação de arrepiar.


Vê o primeiro episódio de “Odiarás o Teu Vizinho”


Entre sarcasmos e ironias mal recebidas, ele vai chocando com muitos dos seus interlocutores (que o consideram “armado em esperto” por se ter graduado). Nos casos em que pretende um apoio para o seu projecto literário e ser desagradável não é solução, chega a ser cómica a maneira como tenta desenvencilhar-se das situações em que se meteu (e que não são simples mal entendidos). A disputa de argumentos é electrizante nos mini-debates que vai tendo sobre literatura, religião ou o durante o clash com um “velho do Restelo”, que não compreende a sua visão perante um determinado marco histórico.

O cineasta Nure Bilge Ceylan (Era Uma Vez Na Anatólia, Climas) põe-nos a pensar, a entrar no universo dos vivos que não se contentam com a simplória (e veloz) rotina engolida por radicalismos. Um documento obrigatório, mesmo que não estejas habituado a esfregas destas – são três horas de duração. Mas, o que é isso comparado com os teus neurónios a fervilhar a mil a hora? Esta “árvore do conhecimento”, em que o vento é um marcador fundamental, é lindíssima – sem desprimor pelos outros eleitos abaixo.

10 Filmes para recordar graciosamente 2018

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“Roma”, de Alfonso Cuarón (um dos produtores do sublime “Labirinto do Fauno”), é imperdível. (Foto cortesia Netflix)

01. THE WILD PEAR TREE (A Pereira Brava), de Nure Bilge Ceylan

02. ROMA, de Alfonso Cuarón

03. THE BOOKSHOP (A Livraria), de Isabel Coixet

04. SORRY TO BOTHER YOU, de Boots Riley

05. CALL ME BY YOUR NAME (Chama-me Pelo Teu Nome), de Luca Guadagnino

06. THE DISASTER ARTIST (Um Desastre de Artista), de James Franco

07. L’ AMANT DOUBLE (O Amante Duplo), de François Ozon

08. FIRST MAN (O Primeiro Homem na Lua), de Damien Chazelle

09. 8TH GRADE, de Bo Burnham

10. A QUIET PLACE (Um Lugar Silencioso), de John Krasinski

Nota – Foram contemplados filmes lançados este ano ou que estrearam nas salas portuguesas em 2018.

MÚSICA – MUSIQUE – MUSIC

No ano em que o punk voltou a ser espalha brasas, os álbuns de Beach House e Low levaram-nos para outra dimensão…

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IDLES. Sai um ramo de flores para o punk que se diverte a parodiar, please. (Foto cortesia Partisan Records)

Numa semana que devia ter sido decisiva para o Brexit, pouco aconteceu e a incerteza aumentou. Enquanto esse dado está refém de vários factores, é com agrado que vemos a robustez da cena musical no território da cada vez mais isolada, Theresa May. Primeiro, é de salutar dois registos que oxigenaram a alma punk rock (há doze meses, os norte-americanos Protomartyr ocuparam esse lugar). Os IDLES e os THE SHAME, podem soar como se fossem um bilhete da viagem só de ida para um passado com algumas décadas nas pernas, mas é com euforia que se constata a frescura das duas formações. Na mesma linha, os suecos VIAGRA BOYS animam a malta com humor e potência rockeira, justificando inteiramente o nome do grupo e o buzz para lá da fronteira nórdica.

De volta ao epicentro britânico, realce para os álbuns de INSECURE MEN e YOUNG FATHERS. Os primeiros estreiam-se com um trabalho homónimo em que misturam sátira e um certo alheamento “fixório”, com canções pop de toque orelhudo e outras de fino recorte exótico (caso de “Cliff has left the building“). Os escoceses Young Fathers assinam o seu melhor CD até à data, mostrando um exercício meticuloso entre hip hop, electrónica, r&b e gospel.

Mudando a agulha para o outro lado do Atlântico, atente-se às vozes de JANELLE MONÁE e HALEY HEYNDERICKX. A cantora-actriz (ver o entusiasmante Hidden Figures) transformou a cartilha #Metoo num luminoso e dançável depoimento sonoro – esteja onde estiver, o pequeno príncipe de Minneapolis deve estar orgulhoso dela. A novata Heynderickx traz um folk intimista (com ligeiro pendor country), que nos convida a arejar a mente em trinta minutinhos.

Continuando nos States, este disco não é para todos. Double Negative, do trio norte-americano LOW, é a vitamina perfeita se tens alergia ao ruído apressado. “Fly”, “Always u” (escutar no vídeo acima), “Dancing and Fire”, “Quorum” e “Poor Sucker”, são faixas representativas de um todo que absorve o estado da contemporaneidade. Mimi Parker, Alan Sparhawk e Steve Garrington, constroem um LP catalisador para os tempos de dúvidas, de anseios fulminantes, com o qual nos deparamos. Abençoado experimentalismo indie. E, sim, compreendemos que não seja indicado para todas as almas – mas devia.

Victoria Legrand e Alex Scally são clientes regulares na casa de muitos melómanos neste canto europeu. Seja pela bela discografia ou pelos inúmeros concertos dados de norte a sul, o duo de Baltimore deixa os fãs enamorados pela toada dream pop, que nos levita, acalma e transporta para uma nuvem de reflexões íntimas. Será esta a obra-prima dos BEACH HOUSE? Para já, sim.

Contudo, eles são tão competentes naquilo que fazem que o melhor é esperar para ver. As onze composições do sétimo álbum compõem um equilíbrio extraordinário. Como se todos aqueles segundos em que nos apaixonamos perdurassem numa caixa para os soltarmos quando bem entendermos e, dependendo de critérios pessoais, confirma-se que o mais importante não é aquilo que pensamos que é. Se procuras músicos que inventem a roda, então erraste no paraíso pretendido. Esse não é e (acreditamos) nunca será o propósito desta “associação” franco-americana. Ainda bem. Continuemos então a tocar obstinadamente 7 com o desejo que o quotidiano tenha mais deste gentil glamour (abaixo, no vídeo, podes ouvir o álbum por completo).

Por último, o não menos importante DAVID BRUNO, que ao segundo tema nos envolve com a mensagem “Baby relaxa e sente o som”. A portugalidade tem n’O Último Tango em Mafamude, um folhetim do que é viver por estas bandas. O target são os loucos anos 90, onde muitos pensavam que iria ser tudo à grande, como se fossemos europeus de primeira – vê aqui o vídeo promocional deste “Tango” irresistível.

De forma inteligente, o autor (uma das mentes criativas do Conjunto Corona) adiciona elementos jocosos, como os relatos mirabolantes de determinadas notícias televisivas, a uma cadência rítmica que podia entrar em Beats Vol. 1: Amor, de Sam The Kid (havendo pelo meio um tributo ao romântico Marante, em “Amor Anónimo”). Mesmo que David Bruno “confesse” que Vila Nova de Gaia já não lhe ama, não estamos a vê-lo a virar as costas a escapadelas platónicas no Monte da Virgem…

10 Álbuns para “loopar” nos teus gadgets

01. 7 – BEACH HOUSE

02. DOUBLE NEGATIVE – LOW

03. JOY AS AN ACT OF RESISTANCE – IDLES

04. SONGS OF PRAISE – SHAME

05. O ÚLTIMO TANGO EM MAFAMUDE – DAVID BRUNO

06. INSECURE MEN – INSECURE MEN

07. DIRTY COMPUTER – JANELLE MONÁE

08. STREET WORMS – VIAGRA BOYS

09. I NEED TO START A GARDEN – HALEY HEYNDERICKX

10. COCOA SUGAR – YOUNG FATHERS

Nota: Cinco Discos que ficaram à porta. Matt Maltese – Bad Contestant; Courtney Barnett – Tell Me How You Really Feel; Hookworms – Microshift; Kamasi Washington – Heaven and Earth; e All Against Logic – 2012/2017.

BÓNUS – Mais vinte tópicos relacionados com os sons e as imagens em 2018

  1. Teledisco: “This is America” – Childish Gambino (ver clip acima). Outros quatro a ter em conta: “Rapin*” – Jenny Wilson; “Pynk” – Janelle Monáe; “Fun!” – Vince Staples; “The girl from Ibanema” – Leonardo Marques.
  2. A cena caricata com toque à Tarantino: Na VICE, na crítica ao filme You Were Never Really Here, com Joaquin Phoenix, escreveu-se: “Após um tiroteio, dois motherfuckers ficam estendidos no chão a cantar/sussurar o tema “I’ve never been to me” (de Charlene). Um por estar prestes a falecer; o outro por cansaço. Que lindo dueto”.
  3. A Femme Fatale e os Vilões: Personagens Carla (Ester Expósito, em Elite), Erik Killmonger (Michael B. Jordan, em Black Panther) e Strickland (Michael Shannon, em Shape of Water).
  4. O single de cá, o outro de lá: “Leva-me a dançar”, de Joana Espadinha e “Colossus”, dos Idles.
  5. Aquele stand up que não é o melhor de sempre, mas é bem bom: Humanity, de e com Ricky Gervais (Netflix).
  6. Intensidade desportiva: Partida em que Rafael Nadal venceu Dominic Thiem, nos quartos-de-final, no Open dos EUA (Eurosport). Incrível disputa que podia ter caído para qualquer um dos lados.
  7. Músico português que merecia ter um talk show: David Bruno.
  8. Dois filmes que tiveram críticas negativas, mas afinal têm ali qualquer coisa: Zoe, de Drake Doremus e All I See Is You, de Marc Foster.
  9. O programa que prometeu muito e acabou por ser um ligeiro orgasmo satírico: Who is America?, de e com Sacha Baron Cohen.
  10. Cinco Boas versões: “Dreaming” (original dos Blondie), por Say Sue Me; “Stay” (de Rihanna com Mikky Ekko), por Cat Power; “Private dancer” (de Tina Turner), por Meshell Ndegeocello; “Time in a bottle” (de Jim Croce), por Lykke Li; “Nine million rainy days” (dos The Jesus and Mary Chain), por Raquel Ralha & Pedro Renato.
  11. Três programas televisivos nos canais “made in” Portugal: Fugiram de casa de seus pais (RTP1), Irritações (SIC Radical) e Governo Sombra (TVI24).
  12. Performances de cinco ou mais estrelas/Elas e Eles: Beatriz Batarda (Sara Moreno, em Sara), Patricia Arquette (Tilly Mitchell, em Escape at Dannemora) e Merritt Wever (Mary Agnes, em Godless); Álvaro Morte (Professor, em La Casa de Papel), Nuno Lopes (João Nunes, em Sara) e Dogu Demirkol (Sinan, em A Pereira Brava).
  13. Desilusões: Filmes Annihilation e First Reformed, as séries Gypsy e House of Cards (sexta e última temporada) e o disco A Little Dark Age, dos MGMT.
  14. Quente Quente Quente: Umas quantas cenas picantes com a actriz Jana Perez, na série Fariña.
  15. Dois “Special One” (cada um à sua medida) que nos deixaram: Aretha Franklin e Anthony Bourdain.
  16. O talk show que vale a pena ver, quando a mona está virada para tal: Jimmy Fallon (SIC Radical).
  17. Cinco opinion makers na TV portuguesa: João Miguel Tavares (TVI24), Clara Ferreira Alves (SIC Notícias), Luís Pedro Nunes (SIC Notícias), Raquel Varela (RTP3) e Manuela Moura Guedes (SIC).
  18. Cheira a nomeações para os Óscares: A Quiet Place, BlacKkKlansman, Black Panther, First Man, The Wild Pear Tree e Widows.
  19. Bandas Sonoras: The End of the f***ing world e Phantom Thread.
  20. Canal de informação: Sky News (Inglaterra).

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