Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma Noisey UK.
Toda a gente tem amigos merdosos. O que a maioria de nós não percebe é que isso se deve ao facto de chamarmos aos nossos amigos merdosos “melhores amigos”. Sabes bem de quem é que estou a falar. É claro que sabes; vocês têm um grupo no Whatsapp. Chama-se “Gente Gira” ou algo do género.
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Todos os meses alguém tenta planear alguma coisa para fazerem todos juntos: “Vamos ao Sónar!”, “Vocês já compraram bilhetes para o festival?”, “Podíamos ir àquele festival na Letónia, encontrei uns voos baratos. Alguém já foi à Letónia?”, “Como é que um gajo faz para comprar coca na Letónia?” e “Com 10 euros na Letónia dá para comprar três cervejas, um maço de cigarros, uns salgadinhos e ainda sobrar dinheiro?”. As mensagens vão começar a cair no teu telefone. Toda a gente quer ir à Letónia! Quem não adoraria ir à Letónia com a rapaziada?
Mas, passadas algumas semanas, as mensagens sobre a viagem já são uma raridade. O entusiasmo foi-se. E lá estás tu, o escolhido, a perguntar pacientemente se seria melhor alugar um ou dois quartos enquanto vês as mensagens da malta. “Calhou mal meu, tenho um compromisso nesse sábado, não sei se consigo ir”, seguida de, “Pessoal, vocês viram o vídeo de um gajo que encontrou o pai biológico enquanto cirandava por aí a jogar Pokémon Go? *emoji a chorar a rir*”.
Vê também: “Devoção, entusiasmo e loucura. Um documentário sobre o que é ser fã de música“
Nada de realmente espectacular vai acontecer. Nem a ti, nem aos teus amigos merdosos. Seja porque estão ocupados, porque são desorganizados, porque não têm um cêntimo no bolso, porque nunca se comprometem com nada, porque não têm dias de férias para tirar, porque têm um casamento naquele fim-de-semana, porque só recebem o salário a meio do mês, ou porque só saem de casa quando estão solteiros e com tesão.
Quando vocês de facto se encontram, acabam sempre por ir a um dos três bares onde sempre vão até perderem contacto novamente, ou se deixarem levar pela mediocridade social e, no fim, acabarem a lidar com uma morte lenta e dolorosa.
“A noite és só tu, responsável por ti próprio e mais ninguém, com os olhos arregalados e às voltas em lugares onde os sonhos se tornam realidade”.
Mas, afinal, para que é que precisas dos teus amigos? Porque é que não vais sozinho aos festivais? O que te impede? Imagina: não precisas de comprar uma rodada de cerveja para 10 pessoas, não precisas de marcar ponto de encontro, ou esperar duas horas até conseguires reunir toda a gente, não precisas de fazer pausas de 20 minutos para irem mijar, não tens uma única chamada não atendida no telefone, não passas a noite a suar que nem um perdido enquanto divides uma cama de casal, ou uma tenda, não precisas de levar o teu amigo mais assanhado à Cruz Vermelha porque lhe entrou MDMA no olho… nenhuma chatice. A noite és só tu, responsável por ti próprio e mais ninguém, com os olhos arregalados e às voltas em lugares onde os sonhos se tornam realidade.
Estou aqui para te dizer que és totalmente capaz de ir a festivais sozinho, sem ninguém mesmo. E, para o provar, fui passar quatro dias acampado no festival “Edge of the Lake”, na Suíça. Vê como se faz.
PASSO 1: NÃO IMPORTA QUE HORAS SÃO; COMEÇA LOGO A BEBER CERVEJA BARATA NO AEROPORTO ANTES DE ENTRARES NO AVIÃO
Ressaca? Foda-se. Bateu-te mal? Escreve um poema sobre isso, idiota. Cansado porque acordaste e são literalmente 06:34 da manhã? E então?! Este é o momento em que é socialmente aceitável encheres a tromba de cerveja à frente de toda a gente antes do meio-dia.
Vais conhecer uma porrada de gente nova este fim-de-semana e sabes o que ajuda a livrares-te da ansiedade de conhecer pessoas novas? Cerveja. Abre uma e relaxa. Quando viajas sozinho não há regras — excepto as que tu próprio crias.
PASSO 2: EXPLORA O TERRITÓRIO QUE TE RODEIA
A coisa mais importante quando chegas sozinho a um lugar estranho, num festival estranho, ou num país estranho é conseguires responder à pergunta: “Como é que volto para o sítio onde vou dormir hoje?”. Porque geralmente acabavas por desmaiar em casa de algum dos teus amigos não era? Daquele que bebe 12 cervejas mas fica na boa, tranquilo e mete toda a gente no táxi para casa. É estranho como ele praticamente não fala e, ainda assim, entrou para o teu grupo não é? Bem, ele não está cá.
Por isso, explora as opções de transporte, vê onde podes comer e, sei lá, faz um reconhecimento do terreno uma ou duas vezes para quando estiveres completamente imerso na selva as tuas pernas sejam capazes ao menos de te levar de volta à tenda, ou ao quarto que alugaste. Para minha felicidade, este festival tinha apenas um palco e um lago enorme para relaxar, por isso, mesmo quando fiquei todo lixado consegui voltar para casa em piloto automático.
PASSO 3: TRAVA AMIZADE COM LOCAIS
Tenho vergonha de admitir que, além do que mencionei antes, a única coisa que sei dizer noutras línguas é um ‘livin’ la vida loca’, ou ‘voulez-vous coucher avec moi?’ e já vou com sorte. Mas a parte boa de ser inglês é que, apesar de toda a gente te odiar, também todos curtem falar inglês e vão tentar conversar contigo, nem que seja só para praticar.
Conheci muita gente fixe: um gajo animado chamado Yuri, que tinha um táxi com o limpa para-brisas avariado e sempre ligado por causa de um defeito eléctrico e duas outras pessoas: um mergulhador com um bronzeado mal amanhado e uma Princesa Jasmine insuflável de 1.80m. Quando fazes amigos destes nas férias, quem precisa de amigos verdadeiros?
Além disso, se conseguires encontrar um gajo com os olhos cansados, dreads e braços cobertos por tatuagens, com metade da cabeça raspada, ele provavelmente vai ajudar-te a arranjar umas drogas locais. Geralmente anfetamina barata vendida como cocaína cara, mas olha lá, quando é que te transformaste em sommelier de drogas? Não importa quão corajoso estejas a sentir-te, anfetamina barata disfarçada de cocaína cara é a melhor forma de mandar abaixo as barreiras culturais e começar, de facto, a comunicar.
PASSO 4: VÊ AS VISTAS
Já exploraste o festival, travaste amizade com o pessoal, gozaram algumas vezes contigo e agora estás mais ou menos cansado. Não cansado como estarias se tivesses que esperar por cada um dos teus amigos merdosos a enfrentarem a fila para mijar, mas queres evitar a fadiga, estás meio azamboado, enfim, não estás a 100 por cento.
A grande cena de estares sozinho num festival ao ar livre é que podes fazer o que quiseres sem teres que justificar o que quer que seja a alguém, como naquela vez em que decidi sozinho virar à esquerda, entrei numa floresta e fui parar nesse caís na foto aí em cima.
Não importa se estás nas ruas de Barcelona, nos vastos pastos de Pilton, cercado pela arquitectura brutal de Berlim, ou nos alpes suíços, há sempre coisas maravilhosas para serem aproveitadas, praticando uma das únicas actividades que é quase impossível fazeres merda: admirar a paisagem com os teus próprios olhos.
PASSO 5: PARTICIPA NAS ACTIVIDADES EM GRUPO
Algumas coisas são inevitáveis se fores sozinho a um festival: vais passar um bom bocado a viajar sozinho. Sim, muita gente vai ficar a olhar para ti com pena e vão convidar-te para te juntares a um grupo. Mas não queres que ninguém sinta pena de ti, correcto? Não. Queres provar a ti próprio e ao mundo que és capaz de estar sozinho e és capaz de enfrentar situações adversas.
Foi para isso que Deus inventou as actividades em grupo: quebrar o gelo. No Edge of the Lake vais ver gente a jogar voleibol, a fumar ganzas e a remar em barcos, por isso, quando me sentia solitário, simplesmente juntava-me a qualquer actividade em grupo que estivesse à minha volta. Não, eu não sabia praticar nenhuma delas e fiz figura de idiota várias vezes, mas a malta local foi branda com a minha falta de jeito.
PASSO 6: ACORDA ANTES DO MEIO DIA E VAI MESMO OUVIR MÚSICA
Sempre me questionei sobre o que acontece nos primeiros concertos dos festivais, que acontecem enquanto 90 por cento do público ainda está desmaiado, ou a discutir a programação do dia nas tendas até finalmente resolver ir comer e pensar nisso depois.
É um mundo novo ver este lado de um festival; é como voltar para casa às seis da manhã e te aperceberes que há mesmo gente que entrega jornais e que os pássaros cantam. Quanto às actuações, bem, ninguém de facto aparece nos primeiros do dia, mas isso não quer dizer que o DJ não lhe tenha dado bem. Demonstrei a minha aprovação, de pé e a aplaudir.
PASSO 7 (O MAIS SAGRADO DE TODOS): DIVERTE-TE
Não queres estragar a tua própria boa onda. Sem ninguém para te atrapalhar, nenhum amigo merdoso para te arrastar para o concerto dos Kasabian, ou a ocupar espaço no quarto enquanto tentas pinar bêbado com alguém que não conheces, a única pessoa culpada se der merda és mesmo tu. Então o que fazes? Não deixes que dê merda. Liga o foda-se, vai explorar, amar e viver. Tás a ver essa cena chamada vida? Agarra-a pelos tomates, acaricia-a e acostuma-te a comandá-la.
Ouve-me. Agora que tens este guia, estás pronto para enfrentar os festivais mais hardcore, nos sítios mais distantes, sem quase nenhum problema. Nesta era de mediocridade decadente, esta é a prova de que a única coisa de que precisas para te divertires é de ti, umas drogas jeitosas, um visual do caraças e uns estrangeiros bacanos. Então vai lá, man, e como eles dizem em italiano, ciao bella!
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