Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.
O maior evento desportivo do ano começou há 10 dias e se ainda não te sentaste num sítio qualquer a beber umas fresquinhas enquanto o acompanhas pela televisão, não sabes o que estás a perder, pá. Isso mesmo, o Mundial de Futebol Feminino da FIFA está a todo o gás e dura até 7 de Julho, com 24 selecções a competirem em várias cidades de França para decidirem qual delas é a melhor.
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E não te preocupes, que o Mundial de Futebol Masculino não deixará de ser o torneio desportivo com maior cobertura do Planeta caso desta vez te interesses mesmo por acompanhar a competição feminina [para a qual a selecção de Portugal falhou o apuramento, mas que tem na equipa brasileira duas atletas que actuam em Portugal, no Benfica]. Hoje, mesmo que tenha conquistado um pouco mais de atenção e mais apoios, o Mundial feminino ainda continua quase sempre a ser olhado como um evento sem importância.
Mas, isso parece estar paulatinamente a mudar. A FIFA, por exemplo, prevê uma grande audiência para esta edição do evento. Em países como Brasil, Inglaterra e EUA, os jogos já estão a bater recordes de audiências televisivas.
Vê: “CONIFA: O Outro Mundial“
A negligência em relação ao futebol feminino tem muito a ver com a falta de patrocínios milionários que fazem parte do Mundial masculino, mas também com proibições históricas. No Brasil, o país do futebol, as mulheres foram proibidas durante quatro décadas de jogar nos campos. Só no fim dos anos 70 é que foi revogada a lei que proibia o futebol feminino. Durante os anos de proibição, muitas mulheres desafiavam as autoridades e jogavam clandestinamente.
Agora, numa altura em que o futebol feminino tenta alcançar o masculino e mesmo com a selecção portuguesa fora da competição, há algumas coisas que podes fazer para dares uma ajudinha e não seres idiota.
EVITA SER AQUELA PESSOA QUE DIZ: “MAS, O MUNDIAL NÃO FOI O ANO PASSADO???”
Quando alguém disser “Hoje, vais ver o Mundial?” / “O que é que vais fazer no jogo do Mundial de terça?” / “Quem me dera que fosse sempre Mundial”, não te faças de desentendido. Não corrijas a pessoa com o clássico, “na verdade, o Mundial foi o ano passado, na verdade (com a testa enrugada e a começar a suar), o Mundial só acontece de quatro em quatro anos, portanto, na verdade, não há Mundial este ano.
Há Mundial este ano, sim. Daqui a três anos, tens outra vez os marmanjos de sempre a correr pela relva. Ambas as coisas são Mundial.
FICA TÃO EMPOLGADO COMO FICARIAS COM O MUNDIAL MASCULINO
Vamos lá dizer a verdade. Pelo menos 78 por cento das pessoas que vêem um Mundial na realidade não ligam a futebol. Não são as assistências que atraem as pessoas aos eventos; os cartões vermelhos ou substituições; é a diversão colectiva, a vaga sensação de comunidade que sentes sentado à frente da televisão, com uma cerveja na mão, rodeado de amigos. É a emoção de poder abrir uma cerveja a ver um jogo do caraças.
Na nossa sociedade neoliberal, onde o indivíduo é colocado acima de tudo, onde as grandes cidades, Tinder e comida congelada para um te fazem sentir sozinho, que forma melhor de conseguir conexão humana pode haver do que assistires a transmissões desportivas com outras pessoas?
INCENTIVA TODA A GENTE DO ESCRITÓRIO A VER OS JOGOS
Sim, sabemos que o Mundo está em crise. Temos que pensar mais em trabalhar do que em sermos felizes por algumas horas e não sofrermos como animais a irem para o abate. Mas, pá, é o Mundial. Porque não fazer uma pausa no trabalho para ver um jogo? Não é como se a tua produtividade no escritório fosse assim tão alta.
Este ano tens a possibilidade de recriar a incrível energia de escritório do Campeonato do Mundo do ano passado e realmente trabalhar menos e ainda assim receber a mesma coisa. Organiza a cena. Sai mais cedo para ver os desafios. O momento certo para procrastinar é agora. Cria um complot para convencer o chefe. Eu sei que ele se vai achar super cool e moderno se explicares a coisa da maneira certa.
VÊ MESMO OS JOGOS
Vês? As exigências para os homens são muito baixas. Demasiado até, diríamos.
SABE O NOME DE PELO MENOS PARTE DA TUA EQUIPA FAVORITA
Há gajos que até sabem a marca das cuecas usadas por cada jogador convocado para o Mundial de 1998. Ainda assim, dizerem o nome de três jogadoras de qualquer selecção é pedir demais. Se não ligas mesmo a futebol, tudo bem, tenta saber só os grandes nomes. O teu cérebro obviamente tem a capacidade de absorver como se fosse uma esponja tudo o que diga respeito a bola, portanto está na altura de usares esse poder.
NÃO DIGAS “SEI LÁ, PARECE-ME QUE NÃO ACHO TÃO INTERESSANTE COMO O FUTEBOL MASCULINO”
Geralmente, o sucesso de um desporto – se não sempre – tem a ver com dinheiro. E quando se trata de um Campeonato do Mundo, a guita é bastante mais curta para o futebol feminino. E isso é algo amplamente aceite, inclusive pela FIFA. Em 2018, o presidente da FIFA, Gianni Infantino disse com todas as letras: “Talvez um dia o futebol feminino gere mais receitas do que o futebol masculino”.
Além da taça, também há um prémio de quase quatro milhões de euros que a selecção vencedora leva para casa. Parece uma boa maquia, não é? Pois é, mas o ano passado a selecção francesa masculina arrebatou mais de 35 milhões pela vitória. Além do prémio, o investimento nas equipas femininas são baixíssimas, assim como os salários e as péssimas condições de treino. Não há financiamento suficiente, com algumas equipas femininas por esse Mundo fora a jogarem em instalações de treino praticamente improvisadas.
Num nível individual, as jogadoras ganham significativamente menos que os seus colegas homens. Por exemplo, a melhor jogadora do Mundo, Ada Hegerberg, está a recusar-se a jogar na sua selecção nacional, a Noruega, por causa de uma disputa salarial, enquanto a equipa dos EUA teve que levar os seus empregadores a tribunal por causa dessa discrepância, apesar de ser mil vezes melhor que a selecção masculina do país. Um estudo feito em 2017 pela Forbes, mostrou que Neymar, por exemplo, ganhou mais dinheiro por ano do seu clube, Paris Saint German, do que os salários combinados de todas as mulheres nas sete principais ligas femininas.
Tendo em conta a falta de dinheiro e de cobertura do futebol feminino, não é surpresa que estejas mais acostumado a ver homens suados a correr no campo. Mas, dizer que preferes futebol masculino ao feminino é um bocado machista. Simples. É o mesmo jogo, pá. Não me venhas dizer que é menos interessante.
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