Vale a pena expor neonazistas nas redes sociais?

O ano de 2017 tem sido um carregamento de desgraças.

O questionamento da vez é se vale mesmo expor e humilhar fascistas nas redes sociais. Por mais que, num ímpeto, achemos a resposta óbvia, vale a pena respirar e racionalizar.

Videos by VICE

O argumento mais forte contra a identificação dos manifestantes de Charlottesville é a possibilidade — que já se provou concreta — de erros.

Identificações errôneas na internet são sempre um pesadelo. Os alvos ficam vulneráveis e incapazes de limpar o nome e a imagem. Muitas vezes o engano os persegue por toda a vida, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Imagine ser confundido com um nazista? É uma das piores atribuições, se não a pior, que podemos conferir a alguém.

Outro problema sério é a facilidade com que agentes mal-intencionados se apropriam da vigilância online para semear discórdia só pelo prazer da discórdia ou mesmo para deixar um partido oposto em maus lençóis. E se os nacionalistas brancos resolvessem descreditar antirracistas, apontando para eles como se fossem participantes da marcha? É a lição que aprendemos com quase dez anos de estudo de casos: quanto mais turva estiver a corrente de acontecimentos, maior há de ser a cautela. Tome cuidado com o posicionamento de desconhecidos nas redes. Na dúvida, não reaja.

Por outro lado, o melhor argumento para dedurar os manifestantes é que participaram, por livre e espontânea vontade, de uma marcha supremacista amplamente coberta pela mídia, sem máscaras, iluminados por tochas. Foram eles que se expuseram. A divulgação de suas informações pessoais é consequência natural dessa escolha.

Além disso, ser nazista (utilizo o termo “nazista” aqui sem muita precisão, em tom provocador, porque o bando não incluía apenas nazistas autodeclarados; contudo, pela minha estima, fazer saudações nazistas e entoar lemas nazistas, ou simplesmente optar por se associar a quem faz isso, compromete o direito do cidadão a não ser rotulado de nazista) é muito diferente do que fazer uma piada ofensiva, motivo de muitas intervenções diligentes nas redes. É muito, muito diferente de ter uma visão política da qual os outros podem discordar. Ser nazista, associar-se a nazistas, ou simplesmente se fazer de desentendido enquanto nazistas agem, é uma questão de saúde pública. É uma ideologia baseada em exclusão e violência. É antidemocrática e perigosa em essência. Então que se fodam esses caras e as bandeiras que levantam.

Ambos os argumentos são fortes, mas ambos representam também fenômenos superficiais. Embora o dilema imediato seja “expor ou não expor”, ou “dar RT ou não dar RT em quem expõe”, há questões maiores por trás. Se você for uma pessoa branca de boa vontade, vale se perguntar: sou mesmo um bom aliado? Isso ajuda mesmo?

Para os homens brancos em especial, é hora de baixar os microfones e deixar outras pessoas falarem. O mesmo se aplica a nós, eu e você.

Na hora de expor e humilhar nazistas, o primeiro passo para se levar em consideração é tentar compreender a narrativa da mídia. Logo após a marcha, o foco de muitas reportagens foi a identificação errônea dos participantes. Foco compreensível, visto que é um forte argumento contra a vigilância generalizada. Outras matérias destacaram o impacto dessas ações na vida dos participantes, como, por exemplo, demissões e outras consequências sociais imediatas. No entanto, ainda há quem questione a exposição de infratores, seja qual for a circunstância, com base no argumento de que contribui para uma mentalidade de turba. São questões válidas, tanto neste caso quanto em geral. Ainda assim, todas essas matérias sobre Charlottesville fazem praticamente a mesma coisa: retratam os fascistas como protagonistas da história. Voltam os holofotes para eles.

Que fique claro: não devemos ignorar as fotos que correm pelas redes sociais, dos supremacistas brancos em coro, com expressões fantasmagóricas. Mas também não podemos tratar dessas imagens com um olhar fetichista, restrito aos envolvidos retratados. A ótica e a iconografia implementadas pelos manifestantes, da saudação nazista à bandeira confederada, incluindo ecos da Ku Klux Klan, trazem à tona a história traumática dos EUA.

Escorados nessa história, os manifestantes perpetuaram uma violência simbólica antes mesmo de levantarem os punhos e balançarem as tochas em ameaça. Os alvos dessa violência, o contexto dela e as formas como já destruíram gerações precisam ser o verdadeiro cerne da narrativa, mas essas questões se perdem com facilidade quando as manchetes se preocupam mais com a vida desses caras repugnantes. Há outros rostos — rostos não brancos, rostos femininos — que merecem atenção de fato. São suas histórias que merecem ser contadas, seu futuro que merece ser defendido.

Evidentemente, o combate a supremacistas brancos (expondo os caras ou não) e outras formas de protesto não são autoexcludentes. Contudo, para lutar contras as forças da intolerância, encará-las de frente e negá-las de todo, não basta vociferar por condenação; não adianta ficar falando de pessoas brancas. Para os homens brancos em especial, é hora de baixar os microfones e deixar outras pessoas falarem. O mesmo se aplica a nós, eu e você.

Outra reflexão para levar em conta na hora de decidir se vale mesmo expor e humilhar os nazistas é ponderar sobre os interesses que serão saciados, ainda mais quando não dá para verificar com certeza absoluta se o alvo em questão tem mesmo culpa no cartório. Se você identificar a pessoa errada, vai acabar beneficiando os supremacistas brancos. Se identificar a certa, capaz que, ainda assim, os beneficie.

Pensemos como seres humanos. Sem dúvidas, fazer com que os manifestantes de Charlottesville enfrentem consequências, garantir que sejam julgados e condenados, dá uma sensação de missão cumprida. Embrulha o estômago imaginá-los impunes, e seria mesmo uma irresponsabilidade e tanto.

Ao mesmo tempo, a disseminação desse tipo de imagens e vídeos fortalece a causa fascista. Dá visibilidade à causa, confirma seu falso martírio (que serve de base para o argumento “dos vários lados”), e ajuda a estabelecer um senso maior de coletivo fascista, de união.

Não significa que devemos sentar a bunda no sofá, em silêncio, esperando a onda passar. Não vai passar. Estamos todos em perigo. Mas há fatores maiores em voga, questões éticas mais profundas, para além do impulso imediato, e compreensível, de sair retuitando, compartilhando. Se não estava claro antes do último fim de semana, agora é mais do que evidente: precisamos mergulhar fundo.

Whitney Phillips é professora na Universidade Mercer e coautora do livro The Ambivalent Internet [A Internet Ambivalente].

Leia mais matérias de ciência e tecnologia no canal MOTHERBOARD.
Siga o Motherboard Brasil no Facebook e no Twitter.

Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter e Instagram .