Passar um ano inteiro estudando, abrir mão de colar nos rolês com os amigos, perder vários shows e filmes, deixar de maratonar filmes na Netflix, colocar a vida amorosa em segundo plano e tornar-se até mesmo um ser quase desconhecido na sua própria casa são fatos clássicos na vida de quem se prepara para o Enem. Afinal, o objetivo é ser aprovado em uma boa universidade ou em uma faculdade massa que oferece o curso dos sonhos.
Só que nem sempre a notícias é boa depois da prova.
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E então todos os planos parecem desaparecer igual a um castelo de areia na beira da praia. As sensações de impotência e fracasso vêm à tona, assim como a desilusão por ter deixado muita coisa de lado para nada. Para completar, quem passa por isso ainda tem de ver um monte de gente sem noção fazendo “piadas” sobre procurar empregos em lanchonetes caso a nota no Enem seja baixa – comentários equivocados e preconceituosos em diversos níveis, mas essa é outra história.
Ainda que a frustração fique martelando na cabeça e uma ou outra pessoa queira ser escrota, saiba que nada está perdido. Sempre pinta a história de alguém que não conseguiu de imediato o que queria, mas deu a volta por cima. Sabe a garota que virou meme em 2015 porque chegou um minuto atrasada e perdeu a prova? Ganhou uma bolsa de estudos para o curso de Direito e quer se especializar em crimes na internet para combater o cyberbullying. Afinal, dar a volta por cima é mais gostoso, como essas histórias mostram bem.
Subir uma montanha por dia
O corre do jornalista e cientista social Vinicius Santos foi grande para chegar ao ensino superior. Para início de conversa, o jovem prestou o Enem pela primeira vez em 2005, quando conseguiu bolsa de 50%. Maneiro, não? Acabou não sendo tão legal assim, pois a família dele não tinha condições de bancar a mensalidade do curso.
“A real era essa: ou consegue a bolsa e se dedica a estudar, porque não dará gasto para os pais, ou arranja um serviço e, quando puder, pague sua mensalidade. Não consegui trabalho nesse meio tempo e me dediquei a um curso técnico de TI perto de casa. Era gratuito e parecia que me daria algum encaminhamento profissional”, explica.
Não deu. Vinicius se esforçou, mas o caminho secundário que foi forçado a seguir ainda não o levou ao destino que queria. O que fazer então? Voltar atrás e encarar o Enem de novo. Em 2007, então, ele topou o desafio, mas com um ponto bem claro: matemática estava fora de questão.
“Eu só tinha uma coisa em mente: vou ter de chutar em matemática, pois não tive professor de tal disciplina durante todo o 2º ano do ensino médio e isso matou meu aprendizado”, conta. A esperança era arrebentar na redação, em que obteve 92 pontos em seu primeiro Enem.
Vinicius não foi tão bem – fez 75 pontos –, mas o objetivo dele foi alcançado graças ao maior número de acerto nas questões de múltipla escolha. “Fui fazendo o que tinha para ser feito e do jeito que podia fazer mesmo. Fiquei com uma sensação tipo ‘aí, viu? Consegui, mesmo com todas as dificuldades’. Mãe diarista, pai aposentado e eu, negro e periférico, uma fita dessas é fundamental para a gente seguir firme e forte.”
Das gratas surpresas da vida
Também foi em 2007 que a designer gráfica Winnie Affonso fez o Enem pela primeira vez. Ela tinha um objetivo claro: somar a nota do exame à da Fuvest. “Apesar de ter tido desempenho relativamente bom e ir até a segunda fase, não obtive nota suficiente para ocupar uma das 40 vagas destinadas ao curso, o que me deixou bastante decepcionada comigo mesma. Ainda que eu tentasse me consolar com o fato de que era uma disputa muito difícil e acirrada, era impossível não me sentir frustrada com minha derrota como vestibulanda”, conta.
Resignada, ouviu o conselho de colegas do cursinho comunitário pré-vestibular e passou em um curso técnico de Design Gráfico. A formação era consistente, a base teórica boa, mas ela sentiu forte o peso que o ensino superior completo dá ao currículo. “É notório como o mercado ignora um curso técnico na formação de um profissional dessa área, ainda que seja de uma instituição conceituada”, explica. A saída que ela encontrou você já sabe.
No segundo Enem, Winnie desejava entrar na graduação em Design Digital por meio do Fies, o programa de financiamento estudantil do governo federal. Mas a vida, meus amigos, é uma caixinha de surpresas. “Quando notei que minha nota era suficiente para ingressar em uma universidade pública, fiquei muito feliz e decidi rever meus planos iniciais. Foi quando descobri o curso de História da Arte da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e, definitivamente, não poderia ter feito escolha melhor. No fim das contas, descobri de uma maneira inesperada uma área pela qual estou apaixonada”, ressalta.
Acertando as contas com o passado
A história do bancário Thiago Martins de Almeida tem mais tempo. Ele fez o Enem pela primeira vez em 2003, quando o exame tinha um formato bem diferente do atual. Assim como Winnie, pretendia usar a pontuação na prova para somar pontos à nota da Fuvest.
Ele até foi bem, mas não deu. No entanto, à época a falta de informação fez com que Thiago não percebesse que poderia ter utilizado sua nota para pleitear uma bolsa de estudo por meio do ProUni.
“Tive uma nota muito boa à época. Porém, infelizmente, soube do ProUni na abertura da segunda chamada, quando consegui uma bolsa de 50% em um curso de Direito. Mas que eu não tinha condições de cursar à época e aquele não era exatamente o curso que queria”, narra.
Apesar desse revés, nem tudo – ou melhor: nada – estava perdido. Thiago prestou novamente o exame em 2008 e conseguiu uma bolsa integral em Gestão Financeira. “Estudei pouco, porém o suficiente para cursar um dos cursos almejados”, conta, ao falar sobre ter ficado feliz com o resultado. Ficou um gostinho de quero mais na boca, ele admite, mas o dever foi cumprido.