Vi a final da Taça com o Fernando Alvim

Ontem o Benfica teve a hipótese de ganhar o único título que lhe sobrava. Desperdiçou-a. Num ano em que podia ter tido tudo, a Taça de Portugal “não chegava para salvar a época”, como disse Jesus. Não foi de estranhar, que em contraste com os vimaranenses, nenhum benfiquista estivesse particularmente entusiasmado com o jogo (jogadores incluídos, como se percebeu depois). Ainda assim, decidi ver o jogo com um benfiquista com doses de fair-play do tamanho do mundo, o Fernando Alvim.



Agora que se conhece o desfecho, tudo o que se segue é masoquista, mas, seja como for, fica o registo da nossa conversa (absolutamente descoordenada, como o próprio jogo). E, mesmo depois de termos perdido três finais (se tivermos em conta o jogo do Dragão) num ano, o Alvim continua a apostar em Jorge Jesus para a próxima época.



VICE: Então, Alvim? Não trouxeste o cachecol?
Fernando Alvim:
O quê? Estavas à espera do “super-adepto”?

Não, sem problema. Vamos ter festa no Marquês?
Pá, eu acredito que não há duas sem três, não é? Mas não, vou acreditar que à terceira é de vez. Acho que vamos festejar para o Marquês.

E tu vais?
Não [risos]. Mas acho que é grande ideia. Se tivéssemos ganho a UEFA acho que era capaz de ter ido, mas depende muito do teu estado de espírito na altura, não é? Embora eles digam que é a prova rainha, das três provas é a menos interessante para mim, estás a ver?

Acho que é assim para toda a gente.
Também acho.

Nunca chegaste a fazer promessas? Por mais pequeninas que fossem.
Não, não. É como te digo: não sou fanático. Gosto que a equipa ganhe, e muito. Sou o maior admirador confesso da equipa, mas não deixo de fazer a minha vida pelo meu clube. Fico triste. No dia seguinte à final de Amesterdão fiquei triste.

Mas conheces a equipa, sabes as tácticas?
Não. Acompanho o clube, mas não sou daqueles que compra jornais desportivos. Mas gosto de ver, gosto de acompanhar. Conheço os jogadores e sei em que posição vão. Sei que o Jesus pode ir para o Porto se perder este jogo — é o que se fala, sabes isso?

Sim, sei. Será por isso que o Pinto da Costa diz que vai adiar uma semana a decisão final sobre o futuro do Vítor Pereira?
Às tantas disse isso só para meter nojo.



Se fosses tu, renovavas com o Jesus?
Sim, acho que sim.

Consegues imaginá-lo no Porto?
Até aos 24 anos estive no Porto e lá 80 por cento das pessoas são do Porto — eu era a minoria, representava os 20 por cento de adeptos do Benfica (muitas vezes menos). Quando cheguei a Lisboa vim viver para aqui [Campolide] e, quando cheguei cá, lembro-me perfeitamente de ter vindo ver um jogo aqui [bate com a mão na mesa], ao sítio onde estamos. Era um Benfica-Sporting e eu nunca tinha percebido a dimensão de um Benfica-Sporting antes.

A sério? É um dérbi.
Sim, mas lá em cima um Benfica-Sporting é um jogo normal. Pode ser um dérbi, mas não se festeja como aqui.

Não concordas com a ideia de que o Norte é vermelho?
Não.

Também tenho dúvidas. Vejo como o Benfica é recebido no Norte e fico assustado.
Acho que há muitos portistas no Norte, mesmo.

Costumas ir ao estádio?
Sim. Olha, há uns anos fui ver o Porto-Chaves. Naquele dia era do Chaves desde pequenino.

Mas consegues ver os jogos de clubes dos quais não gostas?
Neste caso sim. Primeiro, porque tenho uma grande afinidade com Trás-os-Montes e depois, pá, obviamente que podendo torcer por alguém, é óbvio que vou torcer pela equipa que pode derrotar o meu rival, que é obviamente o Porto.

Muito bem.
Pois, estás a ver? Eu compreendo isto da mesma forma que compreendo que, obviamente, as pessoas do Porto estejam sempre contra o Benfica em qualquer competição nacional. Já não compreendo tanto se as equipas estiverem numa competição internacional.

Torceste pelo Porto quando eles estiveram na final da Champions com o Mourinho?
Claro. Claro que estava a torcer pelo Porto.

Mas isso fez com que o Porto nos passasse à frente em títulos europeus.
Sim, porque isso para mim não significa torcer pelo Porto, significa torcer por Portugal. Tu és assim?

Nessa altura, mesmo sendo de outro clube, era difícil não elogiares a qualidade do futebol do Porto. Eu queria que Portugal ganhasse, mas nunca torci pelo Porto. Foi uma sensação estranha.
Eu conheço imensas pessoas que não apoiaram o Porto.

No debate do melhor do mundo também estás pelo português?
Lá está, gosto mais do Messi como jogador mas, num jogo em que ambos estejam a jogar, é claro que vou torcer mais pelo Ronaldo. Sou, basicamente, um patriota.

E esse patriotismo arrasta-se para o Benfica? És daqueles que se queixam da falta de portugueses no plantel? Acho que agora só estamos a jogar com um português.
Não. Não me custa nada. Sou patriota quando numa competição internacional há portugueses. E não percebo muito as pessoas que pensam de outra forma.

Há quem veja o futebol como um desporto e há quem o veja como uma espécie de luta.
Eu vejo como um desporto. Estás a ver? O jogo já começou há um bocado e só agora é que as pessoas estão a chegar.



Pois, foi o que falámos no início. Nesta época, esta taça acaba por ser um troféu menor [entretanto, a câmara foca os treinadores].
E porque é que estes gajos vão de fatinho para o banco?

É mesmo. Mas o Jesus às vezes usa fato de treino.
Podiam ir de uma forma desportiva. Isto é um desporto, caralho — não é uma gala.

No basquete é proibido ires de fato de treino. Tens que ir de fato e gravata.
A sério?

Sim, voltando ao jogo: sabias que o Guimarães era um clube-satélite?
Desconhecia.

É verdade. Tínhamos uma espécie de acordo. Chegámos a fazer algumas trocas de jogadores.
Não fazia ideia. [Ao minuto 29 passámos por um aperto numa situação de cinco-para-dois perto da área do Benfica.] Elá, o que é isto? Cinco gajos! [Um minuto depois o Benfica marca num lance inesperado. Acabou por ser o lance que nos voltou a acordar].

[Ao intervalo] O que estás a achar do jogo?
Golo! Que grande golo. É uma grande merda sofrer uma golo assim não é? Estamos a controlar, pá.

Jogas?
Sim, gosto mais de jogar do que ver. Jogo muito bem. Sou avançado. Marco sempre imensos golos.

Não sei se estás a gozar ou a falar a sério. Não tens nada pinta de futebolista.
Estou a falar a sério e é uma cena consensual. Todas as pessoas que jogam comigo dizem o mesmo. Jogo desde sempre, tenho obrigação de jogar bem. Deve ter sido a coisa à qual dediquei mais tempo, rádio e futebol devem ter sido as coisas com as quais despendi mais horas na minha vida. É natural que as faça bem. Podia fazer mal, mas não.

Eu passei muitas horas a chutar na bola e não dou uma para a caixa. Não tenho jeito, de todo. Chega a ser frustrante.
Eu cresci a jogar aquela merda. Jogava dez horas por dia. [Entretanto, adivinhava-se a substituição do Cardozo]

Que achas do nosso número sete? Parece-te um gajo competente?
Acho que o gajo é muito bom. É dos melhores avançados de sempre que já passaram pelo Benfica.

Mas é muito discutido.
É normal. É avançado. Já reparaste que isso não acontece com mais nenhuma posição? A coisa importante do jogo é o golo, acabou.



Pois, é mais ou menos isso, sim.
Agora era giro era que marcássemos outro golo, da mesma maneira.

Pá, eu queria ganhar com um golo fixe.
Para mim até pode ser com a mão.

Não preferes ganhar com brio?
Sim, prefiro ganhar com brio mas entre perder e ganhar com a bola metida com mão, prefiro a segunda. Tudo menos perder. Lamento imenso, mas… Está confuso o jogo.

Uma seca. [Aos 74 minutos Addy faz falta feia sobre Maxi.]
O que é isto? Deve doer tanto uma entrada daquelas. Este gajo é uma besta. Estás a ver o que é uma besta? Deve ser horrível. Seja como for, faltam 15 minutos. Não sei se vão conseguir.

[Aos 80 minutos o Guimarães marca e ouve-se “outra vez, outra vez”.] Merda.
Não é desta que vamos aos Marquês.

[Minuto 82, novo golo do Guimarães.] Isto é muito mau. Em dois minutos… Olha os adeptos a abandonar. Às vezes aqueles que não são fanáticos acabam por ser mais resistentes.
Mas estás a ver? Isto é a maior merda. Faltam dez minutos. Era bem-feita que marcassem.

[Minuto 89] Então? Isto já não vai virar…
É incrível! É incrível. Uma equipa perde um campeonato, uma final europeia e agora perde outra final.

Ainda tu dizias que estava controlado.
Parecia, não parecia?

Não sei, eu já estava cheio de sono.
Pá, é demais não é?

[Final do jogo] Faço-te a mesma pergunta que fiz no início: renovavas com o Jesus?
Sim, renovava. Acho que foi mesmo azar.

Azar, aqui? Azar tiveram eles com aquele golo estúpido do Gaitán.
Pois.


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