Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .
Quase um em cada dez norte-americanos luta contra vício em álcool ou drogas, e devido aos fracassos sistêmicos dos sistemas de saúde e judicial no país, apenas 11% das pessoas com problemas com vício conseguem tratamento. Em 2015, 50 mil norte-americanos morreram de overdose, tornando o vício estatisticamente mais mortal que a violência armada. Falamos com quatro viciados em fase de recuperação para saber como seu vício começou, o momento em que perceberam que precisavam parar, e como sua vida mudou depois disso.
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Molly, 32 anos
Cresci muito pobre no que você pode chamar de “América white trash”, e fui a primeira pessoa da minha família a ter um diploma. Tenho alcoolismo nos dois lados da família, mas mesmo assim quando entrei na universidade, comecei a beber muito. Minha mãe me avisou que tínhamos um histórico de vício e alertou que eu estava me envolvendo em comportamento de risco, mas eu não achei que era real. Ela não fez faculdade e não sabia que encher a cara era parte da cultura universitária, era um rito de passagem para mim. Achei que ela estava louca!
Comecei com o álcool e fui progredindo lentamente. Fui de uma universitária bêbada para um vício total que eu escondia de todo mundo. Eu queria parecer alguém que estava com a vida nos trilhos, mas estava acrescentando vodca na minha limonada e bebendo todo dia antes de entrar no trabalho.
Minha saúde mental começou a desmoronar. Passei a ter ataques de pânico antes de grandes reuniões no trabalho, e minha habilidade de fazer meu serviço estava deteriorando. Decidi procurar um psiquiatra para me ajudar com isso, e respondi sinceramente quando ela me perguntou quanto eu bebia. Ela olhou para mim e disse que eu precisava procurar ajuda para o meu vício, e na época, mesmo achando que fazia sentido, simplesmente deixei [o conselho] de lado. Na minha cabeça, ser alcoólatra ou viciado em drogas era morar na rua, feder e beber direto de um saco de papel. Aquelas pessoas não pareciam comigo. Eu não achava que alguém que tinha um estilo de vida como o meu podia ser um viciado.
A gota d’água veio numa festa do Superbowl de um amigo. Eu sabia que tinha que trabalhar no dia seguinte, então disse a mim mesma que limitaria o quanto ia beber. Acabei a garrafa de vinho que tinha levado e comecei a beber cerveja e outros drinques. Saí da festa e fui para um bar, e quando me dei conta, o sol estava surgindo e eu tinha que ir para o trabalho. O que não era novidade para mim. Sentada bêbada na minha mesa naquela manhã, pensei “Que diabos estou fazendo comigo mesma? Tenho mais de 30 anos e ainda bebo como se fosse uma adolescente idiota”. Eu estava muito deprimida. Eu sabia que tinha que parar.
Comecei devagar, frequentando grupos de apoio esporadicamente. Tentei parar de beber sozinha por uns três meses, mas não conseguia ficar sóbria. Tentei fazer um programa onde não precisava me internar, mas tive uma recaída. Minha terapeuta sugeriu que eu fosse para o rehab. Perdi meu emprego quando estava na reabilitação, mas não me importei. Eu precisava estar ali. Era um lugar onde eu podia finalmente lidar com o drama subjacente que coloquei de lado a vida inteira. Eu tinha as ferramentas que precisava para realmente sentir meus sentimentos, e não os ignorar através do abuso de substâncias.
Perder meu emprego enquanto estava no rehab me fez achar outro caminho. Comecei meu próprio negócio, fazendo sabonetes e produtos de beleza naturais na minha cozinha, e deu certo. É incrível entrar numa loja e ver meus produtos nas prateleiras.
Estar sóbria tem sido incrível, mas tem partes assustadoras também. Eu tinha muitos amigos de quem achava que era próxima, mas olhando agora, todas as nossas conversas profundas aconteceram às três da madrugada quando estávamos chapados. Tudo que fazíamos juntos era beber. Quando fiquei sóbria e tentei sair com eles, tudo era muito estranho e forçado. No geral, não acho tão ruim não ver com frequência meus amigos de balada.
Acabei de comemorar um ano sóbria, e quando olho para trás, me sinto muito triste por aquela pessoa [que fui]. Ela tinha muito potencial, mas estava ficando no próprio caminho. Fico muito feliz desse não ser mais o caso.
Sean, 25 anos
Tenho uma família de comercial de margarina: pais carinhosos, uma irmã mais nova e uma rede próxima de avós, tios, tias e primos. Sempre fui muito bem na escola, praticava esportes e tinha muitos amigos. Mesmo assim, eu era infeliz e me odiava desde muito pequeno. Sempre me senti inadequado, e isso me levou a encontrar um escape para aquele sentimento.
Comecei a usar drogas para me divertir como qualquer moleque normal de colégio — fumando maconha e bebendo nos finais de semana, às vezes durante a semana. Os problemas começaram quando decidi fazer das drogas e da bebida uma grande parte da minha identidade. Eu gostava de ser conhecido como o cara que adorava uma festa, porque isso me fazia sentir que eu finalmente era bom em alguma coisa.
Sempre houve esses momentos durante meu uso [de drogas] onde eu tinha que parar um pouco e pensar “O que diabos estou fazendo?” A primeira vez que injetei heroína, lembro de ter pensado “Estou prestes a fazer isso, e minha vida nunca mais será a mesma”. E eu estava certo.
Tomei a decisão de procurar tratamento sozinho, então quando fui me tratar, a ideia de parar nem passava pela minha cabeça. Em certo ponto enquanto eu estava lá, decidi dar uma chance para essa coisa de ficar sóbrio, e, sinceramente, foi a melhor coisa que aconteceu comigo. Tenho certeza de que não estaria aqui hoje se não tivesse parado quando parei. Com as ondas de overdoses que estamos vendo agora, eu poderia facilmente ter morrido ou matado alguém pelo caminho.
Trabalho muito em mim mesmo e no relacionamento com o mundo ao meu redor. Não sou uma pessoa religiosa ou espiritual, mas faço o programa dos 12 passos. Penso no meu cérebro como um computador. Programei meu cérebro de certa maneira através de pensamentos e comportamentos, e reprogramá-lo exige conhecimento, paciência e muito esforço. Descobri logo que quando colocava tudo isso em prática, eu conseguia resultados.
Também me cerquei de pessoas que estão tentando fazer a coisa certa e estão sóbrias. Tenho amigos que bebem socialmente, mas me cerco principalmente de homens e mulheres em recuperação.
Me manter ocupado é algo que funciona para mim. Quando parei de usar drogas e viver aquele estilo de vida, sobrou um grande espaço vago. O que você faz quando está entediado? Feliz? Triste? As drogas costumavam ser a resposta para mim. Sou músico, sempre fui apaixonado por música. Coloco o máximo possível de energia na minha música agora. Isso me permite criar algo e me colocar no mundo, mesmo que só um pouco.
Vivo o hoje e simplesmente faço o melhor que posso. Às vezes ainda sou egoísta, mas reconheço que não sou o centro do universo. Tenho as ferramentas para lidar com isso, ferramentas que podem ajudar outras pessoas, e para mantê-las, preciso dá-las. De jeito nenhum tenho essa coisa chamada vida resolvida, mas estou começando a ficar mais confortável na minha própria pele, que foi a razão para ter começado a usar drogas. Agora o ciclo se completa.
Nyah, 22 anos
Passei por um período que agora reconheço como de um vício intenso quando tinha 19. Eu já tinha uma vida bem selvagem no colégio, e quando entrei na faculdade, esse comportamento piorou. Durante tudo isso, fui completamente funcional. Eu estava na lista do reitor, não faltava às aulas, meus professores gostavam de mim e minha família achava que eu estava prosperando. Mas não estava.
Comecei a beber muito, o que é padrão nos campi do mundo. Eu não tinha aulas segundas e sextas, então toda quinta, sexta, sábado e domingo eu apagava de bêbada e usava toda droga que encontrava. Cocaína, MDMA ou, a minha favorita, ecstasy cortado com metanfetamina, o que me fazia sentir como se estivesse vivendo no clipe “We Found Love” da Rihanna. Eu dançava e dançava até cair, às vezes na minha cama, às vezes num canto na festa da casa de alguém. Também usei muitas drogas psicodélicas. Não gosto realmente de viajar, mas gostava de ser o tipo de pessoa que viajava muito.
Eu tinha tomado ácido pela 29ª vez quando percebi que tinha que reavaliar minha vida. Eu tinha parado de beber alguns meses antes, depois de ser expulsa de um show e acordar na cela dos bêbados, mas substitui o álcool com MDMA, cocaína e doce em quase todas as noites da semana. Naquela noite, eu tinha comido cogumelos e tomado ácido por cima. Eu estava passando mal. Eu estava encolhida na cama do meu dormitório, com a porta trancada e o cobertor por cima da cabeça, eu me sentia fora de controle, como se o mundo estivesse caindo e eu não pudesse lidar com isso. Eu ficava repetindo “Quero ficar sóbria, quero ficar sóbria”. Fiquei com medo de nunca voltar ao normal, imaginando meus pais me olhando na cama do hospital e chorando porque fiquei presa naquele estado para sempre.
Acordei no dia seguinte me sentindo péssima. Mas estava sóbria! Naquele momento, percebi que puta benção era estar sã e sóbria. Eu nunca tinha realmente apreciado quão bela é a experiência do mundo sem uma névoa de químicos bloqueando minha visão, e essa mudança de percepção mudou tudo. Parei de tentar esconder quem eu era por trás de todas essas substâncias e me permiti estar realmente neste mundo dali em diante.
Todd, 50 anos
Em 15 de abril de 1993, recebi minha terceira e última acusação por dirigir embriagado. Comecei a beber no dia 12 de abril. Enchi a cara e não fui trabalhar, o que era padrão. Acordei na manhã seguinte e continuei bebendo, depois fui assistir o Guns ‘N’ Roses no Palace em Detroit. Eu estava tão intoxicado que perdi o show inteiro e não conseguia encontrar meus amigos. Eles me acharam horas depois, deitado num estacionamento vazio sem os sapatos, a camisa e com a calça desabotoada. Eles me levaram para casa e continuei a beber. Na manhã seguinte, eu estava saindo de um bar local quando furei um pneu. Parei num posto de troca de óleo e acabei mijando na escrivaninha do dono, então ele chamou a polícia.
Fui preso e soprei .36 no bafômetro ao meio-dia. Por alguma razão, aquele dia mudou tudo para mim. De repente tive essa noção de que estava de saco cheio da pessoa que eu era. Eu estava pronto para reconstruir uma vida de verdade.
“Nunca achei que teria isso quando estava usando drogas.”
Todas as vezes que parei no passado, não tinha sido decisão minha. Era sempre para o benefício de alguém ou para sair de problemas. Essa última vez foi diferente; parei pela primeira vez por mim mesmo.
Eu tinha perdido tudo na vida naquele ponto. Eu não tinha estudado, não tinha fé em Deus, minha saúde estava se deteriorando. Eu estava com problemas no fígado. Eu estava completamente zoado. Mas eu tinha o desejo de melhorar, e isso era tudo que era preciso. Fui para a cadeia, porque tive que pagar pelas minhas ações. Eu tinha que arrumar aquela bagunça e me reerguer, e nesse processo, comecei a sentir o desejo de descobrir por que eu era daquele jeito. Por que eu me odiava tanto? Por que queria me matar? Por que eu não tinha autoestima e respeito próprio? Comecei a aprender sobre vício e o poder do trauma.
Meus últimos 24 anos foram completamente diferentes. Tenho quatro filhos incríveis, uma esposa linda que me apoia, muitos amigos sólidos e sóbrios, fé em Deus e educação. Comecei um programa de tratamento que, desde 2001, já salvou milhares de vidas. Consegui reganhar minha carreira atlética através dos triátlons do Iron Man. Minha vida agora é dedicada a ajudar outras pessoas a alcançar as coisas que me foram dadas. Fico feliz quando acordo toda manhã, e tenho uma vida que consiste de empatia, humildade e gratidão. É incrível. Nunca achei que teria isso quando estava usando drogas.
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Tradução: Marina Schnoor