Vivendo com HIV

(Foto via.) 

Esta semana, estive na 20ª Conferência Internacional de Aids em Melbourne, e foi uma experiência bem estranha. Eles tinham uma barraca em forma de camisinha, o Bill Clinton estava lá, vi um estande chamado “Pergunte à Puta” e travestis tailandesas ensaiando danças. Grupos escolares andavam pelo local com olhares confusos. Os cidadãos de Melbourne não tinham como fugir: um letreiro vermelho enorme no qual se lia “AIDS 2014” foi colocado na principal ponte da cidade.

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A conferência contou com 15 mil participantes, principalmente cientistas, pesquisadores, ativistas e pessoas HIV positivo. Mas alguns não conseguiram chegar. Entre os outros 292 passageiros, seis representantes da conferência morreram no voo MH17 da Malaysia Airlines, derrubado na Ucrânia. A ironia cruel dessa aparente cagada militar é que essas seis pessoas, todas figuras importantes da luta contra a AIDS, foram derrubadas do céu numa das regiões onde a epidemia de HIV cresce mais rápido.

Na conferência ouvi que, apesar dos esforços de alguns dos maiores cientistas do mundo, a busca por uma cura ou vacina para a Aids ainda está indefinida. Vendo pelo lado bom, Bill Clinton disse que “o fim da Aids está no horizonte”. Medicamentos antirretrovirais têm sido um grande sucesso na supressão do HIV, evitando a Aids e fazendo as pessoas viverem mais facilmente, mas algumas estatísticas ainda são chocantes. São 35 milhões de pessoas vivendo com o vírus HIV no mundo. Ano passado, 1,5 milhões de pessoas morreram de Aids. Desde o começo da pandemia, em 1981, 78 milhões de pessoas contraíram o HIV e 39 milhões morreram de Aids.

Andando pela conferência, decidi conversar com algumas pessoas portadoras do HIV para saber como a vida acabou trazendo-as para Melbourne.

Lalchanzuali. 

Primeiro conheci Lalchanzuali, uma mulher de 26 anos de Aizawl, uma cidade do estado de Mizoram, nordeste da Índia. A história dela não pega muito bem para os homens de Aizawl. Ela se casou com 18 anos e ficou grávida. Depois de um exame de rotina, os médicos disseram que ela tinha o vírus HIV. Quando ela contou ao marido, ele a expulsou de casa, grávida de sete meses e só com a roupa do corpo. A reação dele foi ainda pior do que parece à primeira vista – mais tarde, ela descobriu que foi ele quem a infectou.

“Eu não sabia nada sobre HIV”, ela disse. “Meus vizinhos diziam que você podia pegar a doença só por sentar do lado de alguém doente. Eu achava que era uma coisa que só usuários de drogas ou trabalhadores sexuais tinham. Eles disseram que eu podia passar isso para o meu bebê. Fiquei estressada e deprimida. Tentei me enforcar no banheiro da casa dos meus pais. O que me impediu foi o bebê dentro de mim.”

Enquanto isso, uma de suas melhores amigas decidiu que, por causa do HIV, ela estava proibida de ver a filha e parou de visitá-la. Ela contou seu problemas para o líder da igreja local, que a ajudou a conseguir tratamento. “Aprendi que você tem que lutar por seus direitos quando tem HIV. Se você não falar sobre isso, ninguém pode te ajudar.”

Nick Rhoade, 40 anos, de Plainfield, Iowa, Estados Unidos, veio a Melbourne falar sobre seu caso bizarro. Em 2008, Nick, um vendedor de alimentos que vivia com Aids há 10 anos, conheceu um homem através de um site. Eles se encontraram, conversaram, usaram drogas e transaram. Nick usou camisinha, e o vírus não foi transmitido. Mas quando o homem descobriu que ele era HIV positivo, deu queixa na polícia. Nick foi sentenciado a 25 anos de prisão e entrou para o registro de criminosos sexuais permanentemente.

“Não estou dizendo que sou um santo nessa história, eu estava intoxicado e tomei uma decisão errada. Mas como usei camisinha e minha carga viral [a quantidade de HIV no sangue dele] era indetectável, seria quase impossível passar a doença.”

Depois de sete meses na prisão, uma campanha de cartas escritas para o juiz do caso fez a sentença de Nick ser cortada para cinco anos sob condicional, mas como ele tinha sido condenado como criminoso sexual, ele ainda era proibido de ter qualquer contato com suas sobrinhas e sobrinhos. Em junho, depois de muita pressão dos ativistas e da mídia, a lei em Iowa foi mudada para restringir punição mais pesadas àqueles que realmente têm a intenção de transmitir e transmitem o HIV.

Lloyd. 

Lloyd James, 66 anos, estava procurando o Positive Lounge, uma sala no segundo andar onde pessoas com HIV podiam receber massagem e relaxar longe de jornalistas chatos como eu. Mesmo assim, pedi licença e perguntei há quanto tempo ele tinha HIV. Acontece que ele foi a primeira pessoa diagnosticada com HIV na Austrália, em 1981. Ele vive com o vírus há 33 anos, o que é bastante impressionante.

“Peguei do meu namorado, um jornalista de rock’n’roll que tinha Aids, mas morreu num acidente de carro em 1980. Na época, eles não sabiam o que era a Aids. Eles me diagnosticaram com uma ‘doença de deficiência imunológica relacionada aos gays’. Fiquei no armário por dez anos. Mas quando a notícia se espalhou, isso teve um efeito profundo na minha carreira como maquiador no teatro e na publicidade. Meu agente me tirou de sua lista de profissionais, porque a maquiagem é vista como um ‘contato íntimo’.” Lloyd se mudou então para Melbourne, estudou filosofia oriental e depois se envolveu com figurino para teatro.

E como vão as coisas desde então? “Tem seus altos e baixos. O lado bom é que ainda estou vivo. Pulei a cerca em 1986 e construí uma família. O lado ruim é que não tenho estado muito bem, perdi 31 quilos por causa de uma meningite e fiquei muito próximo da morte.” As coisas estão melhores agora para os gays e aqueles que vivem com o HIV? “Bom, no começo, as pessoas costumavam trazer seus próprios copos quando vinham me visitar em casa, e isso não acontece mais. O politicamente correto empurrou essas expressões de preconceito para o submundo. Mas proibir isso não faz com que o preconceito desapareça.”

Como a tragédia do voo MH17 afetou as pessoas na conferência? “Minha esposa, que trabalha com profissionais do HIV, conhecia todos que morreram. É uma tragédia. Mas muita gente está usando isso como incentivo. Isso torna essa conferência ainda mais significativa. Esperamos que isso coloque o HIV de volta à agenda. Precisamos ensinar os jovens a não serem complacentes.” Um ponto importante, já que o HIV está numa alta de 20 anos na Austrália, com uma em cada sete pessoas vivendo com o vírus sem saber.

Svetlana. 

Doze anos atrás, Svetlana, 33 anos, moradora de uma vila rural em Kazan, região central da Rússia, conheceu e se apaixonou por um homem durante as férias em Sochi. Depois de namorá-lo por quatro meses, ele desapareceu. Foi só durante um exame de rotina alguns meses depois que uma enfermeira disse que ela era HIV positivo. “Eu não conseguia acreditar que isso estava acontecendo comigo. Achei que eles só podiam ter errado”, ela me disse. Então ela fez testes em seis clínicas diferentes e todos confirmaram que ela tinha o vírus.

Agora Svetlana comanda uma organização que ajuda crianças com HIV. Ela tem dois filhos e adotou mais dois depois de vencer uma batalha judicial sobre a proibição de pais HIV positivo em adotar crianças. Um de seus filhos foi expulso do berçário local por ela ser HIV positivo. Apesar disso, ela me surpreendeu dizendo que sua vida melhorou desde que ela contraiu o HIV. “Antes, minha única ambição era ser um cabeleireira casada e com filhos, eu não tinha grandes planos para minha vida.”

Adit. 

Adit, 29 anos, um fã de Radiohead de Bandung, Indonésia, foi uma das poucas pessoas que conheci na conferência infectadas pelo uso de drogas injetáveis. Ele começou a injetar heroína nas ruas de Bandung quando tinha 13 anos.

“Quem não usava heroína não era legal”, ele me contou. Agulhas limpas dificilmente eram vistas na cidade, já que poucos locais as distribuíam. E quem distribuía sempre tinha um policial disfarçado por perto para fazer uma prisão fácil. “Éramos cinco pessoas juntando dinheiro para comprar drogas, quem conseguisse arranjar uma agulha era o primeiro a usar. Às vezes, eu pegava agulhas velhas na rua e as afiava eu mesmo”, ele disse.

Depois da terceira reabilitação, aos 17 anos, Adit largou a heroína. Ele foi diagnosticado com hepatite C e depois se mudou para Auckland, Nova Zelândia, para estudar. Quando foi diagnosticado com HIV um ano depois, a família com quem ele vivia o expulsou de casa e ele foi para um hostel, onde se escondeu, deprimido e sem poder pagar pela medicação anti-HIV, por cinco meses. O que o salvou foi um projeto de Auckland chamado Body Positive, que oferecia acesso a medicamentos gratuitos e aconselhamento.

Hoje ele está de volta a Bandung como professor de inglês e ativista, casado e com um filho. Ele aprendeu a equilibrar seu HIV com exercícios, comida saudável e evitando o álcool. “Viver com HIV não é muito diferente de viver sem. Tenho dois empregos, uma família e viajo pelo mundo. Mas é chato ter que tomar os remédios duas vezes ao dia, todo dia, há 11 anos.”

Yahir.

Yahir, 28 anos, é diretor de programas de uma organização de HIV na Cidade do México. Ele não teve problemas em me dizer que era HIV positivo, apesar de ainda não ter contado para sua mãe e seu pai. “Por que ainda não contei a eles? É uma coisa sentimental. Sei que minha mãe suspeita e estou quase contando a ela. Meu pai acha que falhou comigo desde que contei que era gay.”

Ele se candidatou a um emprego na Volkswagen da Cidade do México, mas um teste de drogas obrigatório revelou que ele tinha cannabis no sangue, então ele foi rejeitado na rodada final. Ele não fumava maconha há meses e não entendia o que estava acontecendo, até que seu médico disse que seu remédio anti-HIV, o Efabirenz, podia ter provocado o falso positivo para maconha. Mas Yahir sabia que se contasse isso, também não ficaria com o emprego.

RETRATOS POR DANIEL CAMPBELL.

@narcomania

Tradução: Marina Schnoor