Viagem

Despedaçando Surfistas

Nicolas Delavy é um dos três chapas da marca de roupas WEIRD. Ele é designer gráfico e doente por fotos de registro. Falei com ele sobre o culto ao indigesto que eles estão empreendendo.

VICE: Como surgiu a WEIRD?
Nicolas: A Weird começou como uma marca de surf contestando o surf tradicional – é a contracultura do surf. Isso é uma coisa estranha, e esse estranho foi se contaminando por outras coisas, de gente estranha, skatistas estranhos, nego que faz tatuagem estranha, tudo que era estranho em vários meios foi entrando. Na real, a Weird são três caras ajudados por um monte de maluco. O conceito se potencializou noutras coisas. Ninguém ganha dinheiro, é um ajudando o outro, na amizade. Por exemplo: tem o Kapel, que faz todos os efeitos especiais dos filmes do Zé do Caixão, propaganda de explosão, sangue, tripa. O cara colou e ajudou a gente fazer efeito especial em propaganda. Agora tem a parafina com pedaços de corpos, a gente tava com a ideia, ele fez o molde e produziu. Então, cara, é na ajuda mútua e na amizade. A gente criou nosso mundo à parte.

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Você diz que são três pessoas que fundaram e outras pessoas foram colaborando. Tudo isso se identificando com a marca e virando bróder.
A colaboração é um negócio muito natural.

Onde vocês três se conheceram?
A gente é em três caras: eu, o Etam e o Santiago. A gente se conheceu na internet, três caras que surfavam e odiavam surfista. Tudo que a gente gostava não tinha nada a ver com o estilo de surf regente, e aí começou a coisa, e vimos que não tinha marca pra isso. E a influência musical não era tão grande nas marcas, hoje em dia é diferente. Aconteceu natural, a gente foi injuriando desse mundo do surf e acabou juntando outras coisas. A música foi um negócio super importante, deu a cara pra parada, e abriu pra outras coisas. Pô, metaleiro tem tattoo, e tem roupa, tá tudo no metal. A roupa que os caras usavam era difícil de achar aqui, e era customizada, metal, punk, tem a característica da roupa ser customizada, e às vezes ser horrível, e por isso mesmo ser um estilo legal. E de mistura de coisas, patch, silk errado, o erro tá bastante presente nessas coisas, sabe, música suja, distorcida. O sujo, o considerado errado é o atrativo. Nossa parada é o culto à falha, ao erro, ao estranho, e é uma parada que a gente vive.

Vocês misturam tatuagem, fotografia, vídeo, moda, skate, música, e tudo vem da colaboração de uma galera que curte a estética estranha de vocês.
Tudo gira em torno do estranho, do fora do comum, do agressivo. É o culto ao estranho.

E vocês têm uma estética metal, thrash, punk. Qual o rolê de vocês?
A moda que a gente faz é nessa pegada. O rock é sempre inspiração para a gente, variam as vertentes, já fizemos muita coisa black metal, e hoje em dia o thrash metal tá voltando. Tudo isso vem de inspirações de CDs do Anthrax, Metallica, de 1992 — a gente vê o cara no encarte com uma calça de moletom estampada cortada, e, pô, vamos fazer uma bermuda assim… A gente se baseia em vivência, no gosto pessoal, fazer coisas que nenhuma marca tem pra oferecer pra gente usar. É fazendo pra gente as coisas que foi contaminando, e também chamando gente louca pro nosso lado. Tem muita coisa nossa que os caras não querem fazer, não querem estampar. Falam que por causa da nossa estampa, pegou fogo a estamparia. Toda a produção que tem é crente, é crente que tá estampando, é crente que tá costurando, e tem muita coisa que é muito agressiva, nem é pra causar nem nada…



Os crentes quase faliram a marca?
No começo era legal, pensava: pô, estamos no caminho certo. Mas acabava atrasando tudo. A religião deles é de amor ao próximo, desde que ele seja crente. Se não for crente, eles odeiam o cara. É uma bosta, cara.

E vocês moram numa casa em que produzem tudo. Nessa casa vocês recebem umas bandas de metal e hardcore quando estão em turnê em SP…
Os caras vêm aqui — semana passada veio o cara do Strife, o Mozine veio na anterior. É um mundo em que eles se identificam, eles vêm tatuar, rolam altos churrascos… É tudo na amizade, naturalmente a gente foi se encontrando. Muita gente que a gente admirava hoje usa a marca.



Você falou da volta do thrash metal. Isso influencia os vídeos, as fotos?
Total. A tipografia… Esses temas estão na Weird desde que começou, isso tá enraizado na gente desde moleque, filme de terror, metal, Sepultura é uma banda que influenciou a gente pra caralho. A gente fala que não tem cliente, tem fã. Os caras são meio fanáticos, e qualquer deslize eles estão em cima, é uma parada meio xiita. É bom, impõe a fazer uma coisa cada vez pior e mais indigesta.

Como que é seu lance com fotografia?
Eu sou completamente compulsivo por registrar, tirar foto. Não me considero fotógrafo, admiro quem é, mas não tenho a pretensão de ser. O que eu faço é um registro de toda essa história que tá acontecendo com a gente. Sempre tô com alguma câmera na mão. Essa mania de guardar é meio doente, sei lá.



Além de ser um registro, a fotografia acaba se contaminando com a estética de vocês…
É, não foi pensado, é um negócio meio despretensioso, pra ter um diário meu, tipo um diário de adolescente, só que um diário meio retardado. Tem umas coisas absurdas às vezes, mas acaba mostrando o que seria o painel semântico da marca.



E aí vocês fazem tattoo também?
Quem tatua aqui é o Etam, meu sócio, tatuador nas horas vagas, foi um negócio que ele começou de zuera, esterilizando agulha na frigideira, de um tatuando o outro, tosqueira, e foi pegando o gosto. O segredo disso, e comigo também, é despretensão. É fazer uma coisa porque ela é mais forte que você, não pensando em ganhar dinheiro, ou ganhar as menininhas, é uma coisa natural, fisiológica. Ele fez por compulsão, e deu sorte da galera gostar do estilo dele.

E como tem sido a receptividade da marca?
Tem sido muito melhor, a galera vê mais a marca, entende mais. A gente bota uma estampa de uma menina chupando a outra, e já não é tão mais agressivo quanto era antes, tá rolando mais uma aceitação pelas coisas trash. E isso por causa da internet, e veículos como a VICE que têm um conteúdo mostrando o glamour trash da vida, é isso que a gente defende na Weird. A gente tem um tag do Charles Manson, metade Charles Manson e metade Jesus, aí a galera fica revoltada, diz que estamos fazendo apologia a um maníaco que matou uma galera. Não é apologia, é mostrar o lado estranho das coisas, todas as pessoas são estranhas, o mundo tá cheio de bizarrice. Mostrar que o estranho tem seu lado legal. Devia ser mais normal, né, as coisas estranhas. O que você faz quando ninguém tá vendo. Gente estranha tem em todo lugar, o guitarrista do Ratos do Porão, o Jão, fala que a gente dá certo porque toda família tem um doidinho, um desajustado.

Tumblr do Nicolas.
Site da WEIRD.