Na quinta-feira (18), o geólogo Francisco Campos, 28, relatou em suas redes sociais ter sido vítima de homofobia no condomínio onde mora há cinco anos na rua Augusta, região central de São Paulo, com o namorado, Gabriel Facuri, 30, também geólogo. De acordo com o texto, o casal colocou uma cortina no quarto deles com as cores da bandeira LGBT+, o que resultou em uma série de dores de cabeça para eles.
Dois dias após terem colocado a cortina, um funcionário do edifício entrou em contato para informar que a administração havia solicitado a retirada do objeto decorativo em virtude de reclamações feitas por outros moradores – Francisco solicitou que os responsáveis pela solicitação fossem falar diretamente com ele, o que não aconteceu.
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Ainda, de acordo com o relato do jovem, ele e seu namorado receberam advertência por infração de norma condominial, pois a cortina deveria ser – autuação se referia ao item como “bandeira”. “Após nossa contestação por escrito, a administração disse que nossa cortina não se trata de uma cortina e que pode ‘interferir e influenciar na valorização do patrimônio’”, relatou o geólogo na publicação feita na rede social.
Para completar, o post, que até as 10h de 22 de outubro (segunda-feira) tinha mais de 6,8 mil reações e 3.065 compartilhamentos, ainda menciona que se fala sobre multa “em todo o momento”, inclusive com direito a ligação feita pela imobiliária para reforçar a ameaça.
O documento enviado pela administração ao casal relatava que “é estritamente vedado colocar ou fixar toldos, placas, letreiros de propaganda, ou quaisquer outros objetos nas janelas das unidades autônomas ou na fachada do edifício, excluídas desta proibição tão somente as lojas.”
Ao conversar com a VICE, Francisco afirmou que o síndico do prédio nunca havia conversado pessoalmente com ele e que o funcionário responsável pelo aviso apenas transmitiu a mensagem a ele. Como não havia normas relativas às cortinas, era permitido colocar cortinas com a cor de preferência do morador. Como ele e Gabriel nunca haviam sido vítimas de nenhum ato homofóbico no edifício, eles optaram pelo item com as cores do arco-íris.
“A causa LGBT, é historicamente, um movimento ligado à esquerda. Algum vizinho deve ter visto nossa cortina e, neste momento de eleição acirrada, sentiu-se afrontado. É provável que eles não devem entender o que a democracia significa e não devem aceitar posições contrárias”, pontua o jovem.
“Não tem o menor cabimento”, diz advogado
De acordo com Mario Solimene Filho, advogado especialista em direito civil e em direitos humanos, com base no relato feito pela reportagem da VICE a ele sobre o caso, trata-se de medida totalmente discriminatória. “Não tem o menor cabimento. Dentro do apartamento, a pessoa pode fazer o que quiser, desde que não tenha risco a nenhum outro morador e que não haja nenhum problema em relação à mudança de fachada. Cortina não é mudança de fachada.”
Para Renan Quinalha, professor de direito da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e advogado, o caso tem, nitidamente, recorte LGBTfóbico, pois o item decorativo não estava do lado de fora do apartamento. “A administração do condomínio está indo além do que fala o regulamento, pelo menos, no trecho transcrito. O parágrafo mencionado na advertência deixa claro que não há vedação sobre a cortina pendurada dentro da janela. Isso não é uma alteração de fachada. Ele não mudou o vidro ou o formato da janela e não pendurou nada do lado de fora”, ressalta.
Ainda de acordo com Quinalha, o condomínio não poderia ter adotado tal medida, inclusive ao adotar a perspectiva de algumas pessoas que fizeram reclamações sobre a cortina. “Não há respaldo no regulamento. Se dissesse claramente que as cortinas não podem ser coloridas e que podem ser apenas brancas, isso seria uma coisa, mas não diz isso. O que eles mandaram no dispositivo, que é a base da advertência prescrita, fala de alteração de fachada, o que não se enquadra na situação concreta no parágrafo que eles mandaram. Se não houver nenhum outro regulamento específico, não tem sentido: a advertência não tem validade legal nenhuma, e eles [o casal] podem processar o condomínio pela postura adotada, pois é discriminatória”, conclui.
Desdobramentos do caso
Após o contato que Francisco e Gabriel tiveram com a imobiliária, eles optaram por tirar a cortina e pendurá-la em um varal para evitar a multa. Ainda assim, o síndico entrou novamente em contato com a administradora responsável pelo imóvel, que relatou precisar multá-los – restou aos dois questionar as alegações feitas para justificar a sanção.
Ainda, o casal chegou a fazer consultas informais desde o início do imbróglio e recebeu manifestações de solidariedade desde a publicação do post. “No momento pedimos uma cópia da convenção condominial à administradora e ao síndico, pois temos apenas a cópia do regulamento interno, assim como a data e local da assembleia condominial para apresentarmos nosso recurso por escrito. A assembleia pode cancelar a advertência.”
Francisco e Gabriel querem resolver o caso por meio de apresentação de recurso na próxima assembleia do edifício.
De qualquer modo, causa estranheza este episódio ter acontecido em plena rua Augusta, região marcada por haver maior visibilidade em favor da comunidade LGBT+. “Imagine como deve estar em locais onde pessoas LGBT+ já são cotidianamente hostilizadas”, indaga o geólogo. Por fim, ao ser questionado se o relato feito no Facebook pode ajudar a encorajar pessoas vítimas de casos parecidos, Francisco afirmou que sim. “Acho que meu relato serve de alerta para mostrar como o ambiente no Brasil está retroagindo para ações como essa ocorrerem.”
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