Mães e pais contam como foi sair do armário para os filhos
Ilustração: Flora Próspero/VICE

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Semana do Orgulho 2018

Mães e pais contam como foi sair do armário para os filhos

“Nunca tive medo de contar porque não há nada de errado em ser quem eu sou.”

Esta matéria faz parte da nossa série especial pra Semana do Orgulho 2018.

Sair do armário não é fácil pra ninguém, seja qual for a idade. Apesar da aflição extrema de ter que esconder quem você é para as pessoas que você ama, o medo de ser rejeitado pela sua sexualidade ou identidade de gênero acaba falando mais alto. Especialmente porque ainda não é incomum ouvir até hoje casos de pessoas que se revelaram e foram expulsas de casas ou excluídas na roda de amigos ou pelos parentes.

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Mais complicado ainda talvez seja contar para seu filho ou filha. Pensando nisso, pedimos para pais e mães relembrarem como foi quebrar a barreira do medo e contar para os filhos que são gays, lésbicas ou trans.

"A mãe dela é um menino"

Eu sou homem trans e tenho uma filha de seis anos. Junto com o outro pai e a família dele estamos fazendo um trabalho para acostumá-la a me chamar de pai. A Charlotte já consegue entender que sou um "menino", estou achando ótimo. A gente tá vendo uma psicóloga para ela e sempre corrigimos a avó que ainda me chama de mãe – mas não por mal. Minha filha já me chama de pai de vez em quando e está começando a ter mais noção que ela tem não um pai e uma mãe, mas sim dois pais. É tudo bem devagar com ela, mas desde que me revelei “um menino”, ela aceitou, sendo a fofa que é.

Ela só fala e vê que "a mãe dela é um menino", e vê questões de gênero ainda sem nenhuma opinião. Sou separado do pai, o João, há muito tempo, mas ele é meu amigo e agora estamos nos esforçando para a Charlotte me chamar de pai. E no colégio dela tem o "Dia da Família", porque muitos alunos e alunas tem dois pais, duas mães e eu sou o primeiro caso de pai trans na escola. Apesar de ser um colégio católico, eles fazem de tudo para normalizar essas histórias. Por isso que eles fazem um dia da família e não um dia dos Pais ou das Mães. Tive alguns problemas durante a gravidez da Lotte e inclusive depressão pós-parto, mas não tenho nenhum problema em ser pai. Nunca tive medo de prejudicar minha filha, porque não estou fazendo nada de errado de ser quem eu sou. Minha dica para pais que estão na mesma situação que a minha ou que pensam em abrir o jogo é: vão com calma e tenham paciência. Seus filhos, se forem mais novos, vão entender mais rápido, e se acostumar, mas leva tempo e dedicação. Sempre tenham a acompanhamento psicológico para eles, porque é algo bem forte para a psiquê da criança/adolescente e mesmo de um adulto. Mas de resto, seja você mesmo e honestidade acima de tudo.
Sascha Benji Lutterbach Erthal, 31 anos, tatuador

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Assista à playlist de documentários Semana do Orgulho 2018 curada pelo nosso canal no YouTube.


“Abrir o jogo com o meu filho não me causou medo algum”

Eu tenho dois filhos, Matheus de 14 anos e Eloah, que está com 11 anos. Matheus é um menino trans e foi com ele que a coisa se iniciou seis anos atrás. Na época, ele tinha oito anos e eu ainda era casada com o pai dele, mas a gente namorava uma terceira pessoa. Antes que essa terceira pessoa começasse a frequentar nossa casa e nosso quarto, contei para meu filho que estava gostando dela de um jeito diferente e que nós já havíamos namorado um tempo atrás. Naquela época ainda dávamos nomes ao que éramos e disse ao meu filho que era bissexual. Ele sentiu ciúmes no começo, justamente porque somos muito amigos e talvez tenha sentido um pouco nessa questão de dividir a mãe. Por conta disso, sei que algumas diferenças no comportamento do meu filho eram por causa de ciúmes e não pela descoberta que a mãe dele gostava de meninas. Abrir o jogo com o meu filho não me causou medo algum, justamente porque nós participamos um da vida do outro.

Neste processo do Matheus até hoje em dia, me separei do pai dele. Nós nos separamos como um casal, mas ainda permanecemos juntos como irmãos. Eu moro com a Bah, minha namorada, junto com as crianças. A Eloah está processando isso ainda. Já faz cinco anos que ela mora com a gente, mas faz pouco tempo que o pai foi morar em outra casa com outra pessoa. Há um pouco mais de um ano, o Matheus se descobriu não contente com o sexo que lhe foi designado. Como em casa nós não colocamos rótulos, posso apenas dizer que ele se entende como menino, um menino gay lindo. E digo sem dúvida alguma que a minha liberdade sexual e maternal o fez se encontrar. Pois ele era depressivo, triste e ansioso e depois que se identificou como menino, fluiu, se tornou um adolescente muito saudável. Agora, o processo é com a Eloah, que está na pré-adolescência e estamos passando pelo momento que ela tem ciúmes da minha namorada, a Bah. A Eloah é tranquila, mas em alguns momentos prevalece a pré-adolescência (risos) e aparece umas mínimas crises existenciais. O que sempre deu certo pra mim em tudo é essa compreensão de que os nossos filhos são linhas paralelas e não linhas cruzadas. Nisso, as coisas fluem muito melhor.
Michelle, 37 anos, designer de festas afetivas

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“Ninguém nunca havia ensinado o conceito burro de que é errado ser homossexual”

Eu fui casado durante sete anos e tive uma filha que morava conosco. Quando eu decidi que não dava mais para esconder minha orientação sexual, saí de casa. Não tinha nenhum problema em contar para ela, mas também não fazia muito diferença falar disso ou não e por conta disso fiquei um tempo sem me revelar. Um tempo depois comecei a namorar com um homem e nós começamos a morar junto. Como eu e a mãe tínhamos guarda compartilhada, a minha filha passava alguns dias em casa. A princípio, meu namorado era referido como um amigo do papai que morava na mesma casa, mas a minha filha já tinha oito anos e conseguia entender um pouco a situação. Afinal, eu dormia junto com o meu namorado.

Me descobri lésbica no convento

Um dia a chamei para conversar no quarto dela e decidi contar que eu gostava muito do Tio Yuri e que nós éramos namorados. Minha filha nunca estranhou, apenas falou um “tá bom” meio tímido e me abraçou. Entendo que essa aceitação da parte dela sempre foi muito boa porque, nessa idade, ninguém nunca havia ensinado o conceito burro de que é errado ser homossexual. Por conta disso, não tinha o que ela estranhar. Nunca tive medo de contar porque não há nada de errado em ser quem eu sou. Ela e o Yuri sempre se deram muito bem, brincavam juntos e ele cuidava dela quando eu precisava fazer algo. Nosso relacionamento é ótimo. Ano passado, nós casamos e minha filha foi daminha do nosso casamento. Ela estava super feliz durante a cerimônia, animada com tudo. O que mais me ajudou quando decidi contar foi o pensamento de que ela não tinha que achar nada errado, porque ela não tinha aprendido isso. Falei algo para ela que me fazia feliz e que queria dividir com ela. Tenho que dizer para que todo mundo acredite nos filhos e na capacidade deles de entender, sem ter esse receio de tentar preservá-los de qualquer coisa a todo custo.
Leo Martinez, 30 anos, gerente de hotel

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“Mostre que o amor é saudável em qualquer situação”

Eu e a minha esposa combinamos de contar sobre nossa orientação sexual quando meu filho tivesse com 15 anos por achar que ele estaria "mais maduro" e entenderia com mais facilidade. Duas bobinhas (risos). Meu filho nos surpreendeu numa festa de amigos falando aos amiguinhos dele que a namorada da mãe estava chegando. Isso já tem uns quatro anos. Resolvemos conversar com ele sobre o ocorrido, pois ninguém sabia ainda, assumidamente. E ele, com a maior naturalidade, disse que já sabia que nós (eu e minha esposa) namorávamos e que nos amávamos e que isso pra ele era super normal, pois eu estava feliz. Ele é bem esperto, desenrolou o assunto muito fácil e teve as preocupações dele em como as pessoas nos receberiam na rua.

Documentando mulheres lésbicas

Em uma consulta com a psicóloga dele, no início do atendimento, ele perguntou se ela sabia o que era o meu relacionamento com a Bruna e como ela via tudo aquilo. Ela respondeu que sabia sobre nós, sabia sobre o nosso amor e via com naturalidade. Ele agradeceu e disse que se ela não concordasse não poderiam continuar com o atendimento. Não tive muitas preocupações em contar, meu receio era saber como meu filho receberia a mãe dele com uma mulher, depois de ter sido casada com o pai dele por seis anos. Conversei bastante com ele para mostrar que o amor entre duas pessoas é o mais importante, mas ele sempre foi muito na dele. Tanto que nunca trouxe nenhum comentário sobre, quando voltava da casa do pai. Meu conselho para pais e mães que passam por uma situação parecida com a minha é não impor a sua decisão, escolha e/ou modo de vida ao seu filho. Mostre que o amor é saudável em qualquer situação, mas não mostre só a sua, mostre tudo e respeite a decisão deles caso sejam contrários, sempre educando para que não exista preconceito.
Erica Nogueira, 37 anos, dona de casa

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Ana Lima Cecilio com seu pai, Luiz. Foto: Arquivo pessoal.

Meu pai me contou que é gay

Quando tinha quinze anos estava saindo de uma crise desgraçada de adolescente. Meus pais já eram separados desde que eu tinha dois anos, mas sempre foram muito amigos e tentavam segurar juntos a barra da adolescência (minha e do eu irmão). Um dia, meu pai me chamou pra tomar uma cerveja e eu achando que ia ter mais uma longa conversa daquelas chatíssimas. Só que ele estava com um rapaz, mais novo que ele, quase simpático. Quando o cara foi embora, meu pai me disse que queria dizer que estava apaixonado, e que era pelo cara.

Foi engraçado, porque pra mim foi uma coisa boa: no meio da adolescência, meu pai confiou em mim pra dizer aquilo (e não pros meus irmãos, que são mais velhos - e homens). Foi meio que uma prova de confiança pra mim.

De repente, um filme passou na minha cabeça, e vi que todos os "amigos" do meu pai, que apareciam e desapareciam da nossa vida, e de quem eu e meu irmão gostávamos muito, eram namorados, e não amigos. Assim, muito simplesmente, sem neura nenhuma.

Nem sei muito em que grau meu pai ficou feliz em contar para mim, mas sem dúvida foi um ponto de relaxamento pra ele. Depois disso, viramos super confidentes, sempre ele fazendo mais confidências que eu, na verdade.

Depois que ele me contou, o namoro com esse cara não deu certo, mas um tempo depois ele começou a namorar o Ive. O Ive foi meu padrasto por 21 anos e pessoa que amo muito mais do que a maior parte dos meus parentes. A separação entre eles foi (e está sendo) uma merda, super dolorida. Para fechar o luto, eu e meu pai vamos viajar na semana que vem, só nós dois, pro Marrocos. Acho que dá uma ideia de quão próxima é nossa relação.

O curioso é que meus irmãos hoje obviamente sabem, e adoram o Ive, que é inclusive padrinho do meu sobrinho mais velho, agora com 19 anos. Meu pai nunca teve uma conversa franca com um dos meus irmãos (que é militante de esquerda, tem 200 amigos gays, convive com trans de todo tipo, mas nunca conseguiu falar abertamente com meu pai – e vice-versa, vai saber por quê).

Meu pai hoje tem 67 anos e é médico sanitarista. Nossa família é do interior de São Paulo e libanesa, bastante conservadora. Qualquer indício de manifestação de ser gay que ele pudesse ter na infância/ adolescência foi banida com violência. Por isso, ele só fez o movimento quando saiu de casa, e demorou pra perceber. Antes disso teve três filhos com a minha mãe, que foi uma pessoa muito maravilhosa diante da situação, o que ajudou bastante. Porém, ele só foi assumir pra família depois que meu avô (o patriarca libanês) morreu.
Ana Lima Cecilio, 40 anos, editora de livros

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