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Foto: Larissa Zaidan

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Crime

PMs comentam por que posse de arma e pacote anticrime são ‘kit catástrofe’

Um coronel e um sargento dão uma visão nada otimista sobre o futuro da Segurança Pública no país.

O ministro da Justiça Sérgio Moro anunciou, na semana passada, um pacote de medidas contra a criminalidade que levantou uma série de discussões sobre a Segurança Pública no Brasil. O texto apresentado pelo ex-juiz faz 14 alterações em leis, dá interpretações amplas para ações policiais e, segundo especialistas, pode aumentar ainda mais a violência no país.

Das medidas apresentadas, uma das mais questionáveis é a que se refere à legítima defesa dos policiais. Moro incluiu no art. 25 do Código Penal o verbo “prevenir” de modo pouco claro. Em seu projeto está escrito que o “agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes."

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Não é exagero concluir que o verbo “prevenir”, neste caso, pode legitimar casos como o do PM do Rio de Janeiro que matou um garçom porque achou que seu guarda-chuva era uma arma de fogo. Ou do Guarda Civil Metropolitano que matou um ciclista com três tiros e alegou legítima defesa.

Hoje, sem essa "prevenção" defendida por Moro, a polícia do Brasil é a que mais mata civis e a que é menos investigada por seus crimes. “O policial acha que está em guerra”, afirma o Coronel Adilson Paes, que dos seus 54 anos dedicou 30 à corporação. “No sentido do conflito armado com inimigo declarado, existe um suporte da sociedade para o discurso do ‘bandido bom é bandido morto’. Isso deu votos e proporcionou a eleição de muita gente. O cenário é o pior possível.”

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Coronel Adilson Paes. Foto: Acervo pessoal

Coronel Paes acrescenta que, além de termos um cenário que privilegia ações bélicas e arbitrárias, a proposta de nova interpretação para a “legítima defesa” é abstrata e genérica. O texto, diz Paes, proporcionaria uma carta branca para que o policial ou qualquer pessoa mate.

Para Paes, outro problema grave é o recente decreto assinado por Jair Bolsonaro que facilita a posse de armas. Segundo ele, o ser humano com a arma na mão vira “bicho feroz”. “Usei arma por 30 anos. O fato de você portar arma infla o seu ego, você acha que é algo mais. E por você achar que você é algo mais, os seus limites são mais curtos. Você vai ter uma escalada maior para fazer a opção mais severa possível porque você está imbuído de um poder.”

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Ele ainda pontua quem serão os maiores beneficiados com uma população armada. “Quem ganha é empresa de segurança, comerciante de segurança, empresa de tiro, como estandes e escolas e na outra ponta da linha as empresas funerárias. Medo e insegurança viraram commodities, dá dinheiro”, afirma.

Elisandro Lotin de Souza, sargento da Polícia Militar de Santa Catarina e membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é outro que questiona a eficiência de uma população armada. “Se arma fosse sinônimo de proteção e segurança não tínhamos 500 policiais mortos por ano, porque todos eles estavam armados”, diz. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 367 policiais civis ou militares foram mortos em 2017. Uma média de um por dia.

Sem poupar sutilezas, Lotin de Souza fala ainda sobre o que pode mudar na abordagem da polícia ao homem negro, o maior alvo de homicídios policiais no Brasil. “Vai tomar 50 tiros.”

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O sargento Elisandro Lotin de Souza. Foto: Acervo pessoal

Segundo o Atlas da Violência, publicado em junho de 2018 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma das principais facetas da desigualdade racial no Brasil é a forte concentração de homicídios na população negra. Para se ter ideia, em 2016, a taxa de homicídios de negros foi muito superior à de não negros: 16% contra 40,2%.

Sargento Lotin afirma também que muitas pessoas poderão driblar a questão da posse (ter licença para ter em casa) e do porte (ter licença para andar na rua) de arma de fogo. “Não sejamos ingênuos de achar que com a posse de arma a pessoa não estará com a arma na rua, é óbvio que as pessoas estarão com a arma na rua sem porte. As pessoas não vão, por exemplo, viajar uma semana para a praia e vão deixar a arma em casa. Elas vão usar”, comenta. “A gente não pode trabalhar com achismos na Segurança Público, nós estamos lidando com a vida das pessoas.”

Ele crê que, com a facilitação da posse de arma, haverá o aumento de assaltos a armas. “Antigamente os noias entravam na casa para furtar um liquidificador, televisão, agora eles vão entrar na casa buscando uma arma.” O resultado de tudo isso, afirma Lotin, é mais mortes, mais gente presa e aumento do crime organizado. “Ele [Sérgio Moro] vai aumentar o número de presos e o sistema prisional é o maior fornecedor de mão de obra para o crime organizado. Eles vão bater e voltar e não se discutiu o sistema prisional.”

Coronel Paes não teme ser pessimista — para ele, se trata do mais puro realismo. “Este projeto de lei não vai trazer mais segurança pública, vai trazer mais insegurança, mais tensão, mais medo e mais possibilidades de desgraça, infelizmente.”

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