Isto começou como muitas boas ideias começam: numa manhã de sábado, assistindo ao SportsCenter na cama e falando com estranhos pelo Twitter. Acho que nada disso teria acontecido se não tivessem inventado o Twitter. Lá estava eu no aplicativo quando uma pessoa branca perguntou algo como “Por que os negros sempre fazem tudo ser uma questão de raça?”. São momentos assim que tendem a estragar meu dia, fico muito puto com esta ideia errada e sem noção: negros não fazem as situações serem sobre raça – a maioria das situações são raciais, quer alguém aponte isso ou não. E o verdadeiro ponto não é se escolho reconhecer ou ignorar o impacto da raça, mas como o privilégio branco define todos os aspectos da vida nos EUA.
Assim, tuitei em resposta: “O problema não é que os negros façam tudo ser sobre raça. O problema é que o privilégio branco molda os EUA”. Isso, claro, fez várias pessoas exigirem que eu definisse privilégio branco, o que me deixou ainda mais puto, porque o que eles queriam realmente é que eu provasse que isso existe.
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Eu podia ter mandado essas pessoas lerem o famoso ensaio de 1988 de Peggy McIntosh, “White Privilege: Unpacking the Invisible Knapsak“, que continua sendo um dos textos mais esclarecedores sobre o assunto. Nele, McIntosh, uma professora branca, lista 50 situações diárias nas quais o privilégio branco tinha um impacto na vida dela, incluindo: “Posso falar de boca cheia, e ninguém vai dizer que isso tem a ver com a minha cor”; “Nunca me pedem para falar em nome de todas as pessoas do meu grupo racial”; e “Se declaro que tal situação é racial ou que não é racial, minha raça me dá mais credibilidade em qualquer uma das posições do que uma pessoa não branca teria”. Entretanto, eu não queria mandar um link só para receber de volta o temido tl:dr.
Além do mais, eu queria mesmo confrontar essas pessoas. Pensei: “Não são exatamente essas pessoas que deveriam estar respondendo o que é privilégio branco para mim?”. Falar para tuiteiros brancos sobre seu privilégio branco seria o equivalente a falar sobre a experiência racial deles. Claro, muitos brancos têm consciência de como sua cor os ajuda, o que eu não poderia entender a menos que pintasse minha cara de branco como Eddie Murphy fez naquele esquete do SNL.
Agora, sei que parte de ter um privilégio é não ter de o questionar ou mesmo ter consciência de que ele existe – nesse sentido, pedir a uma pessoa branca para definir seu privilégio branco é como pedir a um peixe para explicar a água. Só que eu queria fazer isso. Eu queria fazer as pessoas se sentirem desconfortáveis, queria que elas falassem sobre um assunto sobre o qual não deveriam falar num fórum público. Eu queria deixar as pessoas desconfortáveis para que elas fossem verdadeiras comigo e consigo mesmas.
Então, sabendo que estava prestes a começar uma tempestade de merda, tuitei: “Se você é uma pessoa branca que tem consciência de como o privilégio branco te ajuda, você pode me enviar um tuíte? Como isso te ajuda?”.
As primeiras respostas que recebi foram positivas e bastante construtivas.
Não tenho de me preocupar em arrumar um emprego. – Philly Al (@PhillyALBerkman), 10 de outubro de 2015
Consegui um trabalho de design na IBM com dreads vermelhos e tatuagens até o pulso. Sou branco; logo, isso era “criativo”. – Jayson Elliot (@JaysonElliot), 10 de outubro de 2015
Esse segundo tuíte me fez sentir que estávamos vivendo em mundos completamente diferentes. Isso me fez pensar que braços fechados de tatuagem e dreads vermelhos não são suficientes para bloquear o poder do privilégio branco. Em seguida, alguém apontou a dificuldade de realmente ver isso, admitindo que, às vezes, as pessoas não têm consciência de seu privilégio branco.
A coisa mais insidiosa disso é que você não vê como isso está te ajudando, mas é meio como se sua média de pontos fosse simplesmente maior. – Matty (@dibblydibbly), 10 de outubro de 2015
As pessoas me tuitaram histórias sobre complacência da polícia e como ser branco as ajudou a conseguir um empréstimo no banco. Alguns contaram que haviam notado que ser branco fazia a opinião deles ser mais valorizada, que isso significa que ninguém assume que eles sejam incompetentes, que ninguém questiona a legitimidade de suas bolsas escolares.
Honestamente, acho que a lista de quando isso não me ajudou é mais curta. Isso tem um impacto em tudo. – Jay Beware (@jaybeware), 10 de outubro de 2015
Por onde começo? Minha existência é baseada no privilégio que minha mãe biológica teve 50 anos atrás, ela teve escolhas que mulheres negras não tinham. – she said (@peaceshesaid), 10 de outubro de 2015
Fui adotada rapidamente, herdando status de classe média e uma empregada negra. Ela morava “naquele” lado da cidade. – she said (@peaceshesaid), 10 de outubro de 2015
Uma das respostas mais interessantes veio do usuário @Muscogulus: ele disse que as pessoas brancas falam sobre isso entre si em código. Sim, alguém admitiu que as pessoas brancas falam entre si numa linguagem particular que busca perpetuar a diferença.
Vamos começar com [a maneira] como os corretores de imobiliária me trataram, que bairros eles me mostraram com uma linguagem codificada sobre a brancura da área. – Robert Colling (@Mucogulus), 10 de outubro de 2015
Eventualmente, os comentários começaram a mudar para uma direção mais sombria e menos produtiva. Várias pessoas estavam respondendo, porém a maioria estava me atacando e negando a existência do privilégio branco. Alguns me acusaram de sugerir que pessoas brancas não dão duro para conseguir o que têm, o que não é verdade. Não acho que as pessoas brancas ganhem aleatoriamente pilhas de dinheiro, como aconteceu com o Eddie Murphy “branco”. Acredito que pessoas brancas de sucesso trabalham muito, embora elas também sejam auxiliadas pela sua cor – e que essas duas ideias não excluem uma à outra.
O que é #PrivilégioBranco e onde eu consigo isso? Devo ter faltado no dia em que deram isso na escola. – Seth Ingram (@seth-ingram), 10 de outubro de 2015
Como o chamado privilégio branco funciona em Appalachia? O termo é uma desculpa. – Frank Williams (@frankwilliams55), 10 de outubro de 2015
Argumentos como o último foram comuns, com as pessoas atacando o conceito ao darem exemplos de brancos pobres e/ou negros ricos. No entanto, não é assim que isso funciona: só porque alguém não conseguiu capitalizar com sua vantagem, não significa que a pessoa não a tenha. Se você perde um jogo em casa que já começou com dois pontos de vantagem para o seu time, isso não apaga o fato de que você começou na frente. Louis CK colocou isso bem quando comentou: “Não estou dizendo que pessoas brancas são melhores. Estou dizendo que ser branco é claramente melhor”.
Depois de um tempo, a conversa evoluiu para xingamentos racistas; então, desisti. Mas eu queria ir mais fundo no assunto, além do Twitter e de seu jeito estranho de ditar e bagunçar nossas interações sociais. Gostei de aprender sobre como as pessoas brancas veem o privilégio branco as ajudando. Era como aprender os rituais de uma sociedade secreta.
Assim, mandei um e-mail para meus amigos brancos, do nada. Tipo, não conversamos há seis semanas, mas aí chega uma mensagem do Toure: “Oi, você pode me dizer como o privilégio branco te ajudou na sua vida?”. Só que eu tinha fé que meus amigos não iam se importar. Alguns se recusaram educadamente a responder, porém a maioria foi bem sincera. Outros pediram para não ter o nome mencionado. E muitos disseram coisas que me surpreenderam.
Um dos meus amigos mais antigos, Eddie, que conheço desde o ensino fundamental, falou sobre o impacto disso em sua autoestima – uma vida inteira vendo filmes e programas de TV em que o herói era branco o condicionou a se ver como o centro do universo, a se sentir eficaz e empoderado. “No cinema, quando você vê uma mulher bonita e ela fica com uma pessoa que parece com você – isso é importante”, ele escreveu. “Você sente que se encaixa no paradigma dominante do que é desejável e normal. Esses filmes são feitos sobre sua experiência. Você é o cara branco. Eles são feitos da sua perspectiva. Isso é importante. Isso faz você se sentir central.”
“Se você perde um jogo em casa que já começou com dois pontos de vantagem para o seu time, isso não apaga o fato de que você começou saindo na frente.”
Outro amigo falou sobre como ser branco o ajudou profissionalmente. “Sinto que muito do avanço que fiz na minha carreira foi porque as pessoas me deram uma chance, confiaram em mim, etc.”, ele me contou. “Tive quatro carreiras diferentes – todas interessantes e desafiadoras – e tive a oportunidade de transitar entre elas e mostrar o que posso fazer, baseado nas pessoas me dando oportunidades. Não sou cego ao fato de que, para muitas pessoas não brancas, conseguir ‘uma chance’… é praticamente algo desconhecido.”
Linda Tirado, autora de Hand To Mouth: Living In Bootstrap America, um livro sobre sua vida na pobreza, afirmou que o privilégio branco lhe concedeu uma grande latitude para se expressar. “Raiva é uma dessas coisas culturalmente mais confortáveis quando vem de pessoas brancas”, ela frisou. “Eu não teria uma carreira se não fosse branca – tenho raiva demais. Sendo branca, posso cruzar mais limites.”
Os comentários deixaram claro que ser branco te dá uma sensação de liberdade maior do que eu imaginava. As regras são diferentes quando se é branco nos EUA, as fronteiras são mais amplas. Você consegue uma segunda e uma terceira chances: você pode ser antissocial, ter dreads, ser tatuado e, ainda assim, conseguir um emprego. E os resultados não se limitam a oportunidades – eles também afetam o modo como as pessoas veem a si mesmas.
Outras pessoas com quem falei apontaram as vantagens cumulativas de ser branco: não simplesmente em suas interações interpessoais, e sim no efeito que o privilégio branco teve com o tempo, permitindo que famílias acumulassem riquezas com as gerações e criando uma rede de segurança que torna a vida um pouco mais fácil, permitindo que eles comecem um negócio, paguem a faculdade ou comprem uma casa.
“Todo o meu sucesso pode ser atribuído ao meu privilégio branco”, me admitiu um advogado chamado Kailey. “Cresci numa família economicamente instável; ainda assim, frequentei escolas públicas acima da média, com estudantes de classe média e classe média-alta. Famílias negras com a mesma origem que a minha teriam muito mais chance de morar numa comunidade de pobreza concentrada, com escolas sem recursos e poucas oportunidades de mobilidade social e econômica.”
Jeff Smith, um amigo e ex-político que hoje é professor de Direito na New School, expandiu a ideia. “Eu não chamaria minha família de rica, mas vivíamos de modo confortável”, ele atestou, “e isso graças aos imóveis que meus pais tinham – uma casa e um prédio de apartamentos numa área rica da cidade”.
Smith, que passou quase um ano numa prisão federal e recentemente publicou o livro Mr. Smith Goes to Prison, acrescentou que, mesmo que seu privilégio branco não tenha impedido que ele fosse preso, isso o ajudou imensamente depois que ele foi solto.
“Privilégio branco nunca foi mais importante para mim do que quando saí da cadeia”, ele me disse. “Eu tinha algo grande contra mim no mercado de trabalho, um erro do qual é difícil se recuperar. E, francamente, não foi fácil. Conto nos dedos os momentos em que esse foi o caso, mas tenho certeza de que ser branco e ter educação superior me ajudaram a tornar o tempo que passei na prisão menos importante aos olhos de muitas pessoas.”
“É como o reverso daquela piada antiga: ‘Como você chama um negro com PhD em Harvard? Crioulo’.”, ele acrescentou. “Isso é mais tipo: ‘Como você chama um ex-presidiário branco que tem um PhD? Dr. Smith’.”
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Tradução: Marina Schnoor.